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A hipocrisia em relação à arbitragem brasileira

Futebol arbitragem juiz

Futebol tem sido um espelho da sociedade | Foto: Austrian National Library/Unplash

Por Eugenio Goussinsky

Está ficando chato, ofensivo e irracional esta mania de, em todo jogo, a arbitragem ser alvo de uma enxurrada desumana de críticas no Brasil. Virou uma moda de intolerância, presa à ilusão da perfeição tecnológica, à precisão do WhatsApp, a vontades satisfeitas pelo celular, ao aparato de equipamentos capazes de levar a descobertas espetaculares. Mas também de acirrar o lado mesquinho do ser humano.

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A profissionalização da arbitragem pode ajudar a diminuir as polêmicas nos jogos de futebol. Mas não será a solução. Os árbitros do Brasil não têm um nível tão baixo quanto se fala. Cometem erros, logicamente. Mas não são incompetentes, relapsos que não têm nenhum preparo. (Abaixo, link de Man in The Mirror, com Michael Jackson)

Quando interessa, prevalece o conceito de que futebol não é uma ciência exata. No momento de falar da arbitragem, no entanto, surge uma exigência insana por critérios, em situações que são questões de instante, de percepção, de intuição, do olhar humano. Não são mais apenas os jogadores a cercarem o árbitro a cada marcação. Alguns programas de debate, simbolicamente, continuam esse cerco por horas a fio.

Os próprios árbitros, no entanto, também têm sua responsabilidade. O maior erro deles é em relação à utilização do VAR. Eles mesmos se expõem às críticas ao irem para a tela por qualquer motivo, contrariando o que diz a norma da International Board em relação a esse dispositivo.

Ele só deve ser usado em lances em que não há dúvida de que houve erro: uma agressão nítida, um impedimento, uma falta absolutamente escandalosa. No jogo entre Flamengo e Palmeiras, neste domingo, 19, no Maracanã, Wilton Pereira Sampaio fez bem ao não recorrer ao VAR em nenhuma marcação. Apesar das críticas comuns neste cenário de polêmicas descabidas, que têm se tornado um vício.

Quando se fala em escola de arbitragem brasileira, o que deveria haver, antes de tudo, é uma maior educação dos jogadores e dos dirigentes. E uma maior cobrança da mídia em relação a isso. É um desrespeito com o torcedor, principalmente, a onda de reclamações, xingamentos, simulações. A escola brasileira de arbitragem deveria ser pautada basicamente em coibir este tipo de atitude.

A melhor escola, a verdadeira profissionalização, para todos os lados, seria, uma escola de Psicologia, de humanismo, de História e de Filosofia, para quem apita, assiste, reporta, dirige ou comenta. Ensinamentos, aliás, que não deveriam ficar apenas no diploma ou no papel.

Encabeçada por times que só reclamam quando a marcação é contra, o que se vê é uma legião de intolerância e desrespeito, que canaliza no árbitro, a parte mais fraca do jogo, todas as frustrações e egos arranhados diante de um revés. O futebol é mesmo cruel. Muitas vezes, um espelho da sociedade. (Abaixo, link de Panis et Circenses, com Os Mutantes)

O meio futebolístico virou escravo da tecnologia. Utiliza, de forma covarde, um lance que pode ser visto de todos os ângulos, paralisado, em câmera lenta, quantas vezes forem necessárias, para chegar a conclusões acusatórias, que desnudam alguém de forma desproporcional. Até a CBF, pressionada, cede muitas vezes a esse tribunal implacável da perfeição. Em muitos lances que são totalmente subjetivos.

O videotape, na verdade, mostra outro jogo. Não aquele que o árbitro apita. Nelson Rodrigues, exaltado pela mesma mídia que passa horas com esse discurso inquisitório contra os árbitros, bem dizia: “O videotape é burro.” O VAR, muitas vezes, é muito mais. Utiliza o videotape de forma ainda pior.

Em meio a um clima de pressão, pressa, barulho, que prejudica uma decisão mais sensata. Em situação distinta dos que não têm envolvimento direto com a partida e que observam os lances em estúdios ou na própria sala de casa.

Um jogador, em entrevista recente, fez um discurso infeliz. Aparentou profundidade. Foi visto como uma referência nos programas esportivos. “Tocou em um ponto profundo”, disseram alguns comentaristas.

Tudo, porém, ficou preso a esta retórica vazia. O desabafo dele, que estava transtornado, nada teve de profundo, pelo menos no que diz respeito àquilo que Freud chama de lado consciente da mente.

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Ele disse que o seu time está sendo roubado e, ao mesmo tempo, falou sobre a necessidade da profissionalização da arbitragem. Ou ele pensou que a profissionalização tem a ver com caráter ou não entendi o “critério”.

Tamanha “lucidez” não foi jamais vista no momento em que jogadores são acusados de envolvimento com apostas. Quando isso ocorre, quase não se vê um futebolista se exaltando contra suspeitas de roubalheira de um colega. Não se pode esquecer que os jogadores são profissionais há mais de noventa anos.

São muitos desses profissionais que tomam atitudes infantis quando simulam, sem se preocupar em prejudicar companheiros de profissão, pais de família que também são cobrados por derrotas. Ou quando vociferam contra a arbitragem para se esquivar de seus próprios erros.

Não basta ter o status de profissional. É hora de parar com tanta hipocrisia e modismo. Há coisas mais importantes do que vitórias ou derrotas em campo. A conduta, de todos nós, precisa ser revisada no VAR dos valores humanos. Sim, podem me cercar à vontade.

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