Por Eugenio Goussinsky
Contratar o competente técnico Cuca neste início turbulento de ano para o Corinthians foi, no mínimo uma temeridade, em termos de continuidade de trabalho.
As questões que envolvem o treinador, condenado, junto com outros dois jogadores do Grêmio, em 1989, sob a acusação de terem estuprado uma menina de 13 anos, em Berna, na Suíça, contrariam toda a essência histórica da torcida corintiana.
O treinador nega as acusações, garantindo que nunca em sua vida tocou em uma mulher de forma desrespeitosa e que nem de longe participou de qualquer estupro. Mas não a Justiça da Suíça, que o condenou.
No país, qualquer relação com menores de idade, ainda que consentida, era considerada estupro presumido. Cuca não foi condenado pelo ato do estupro em si, mas por atentado ao pudor com uso de violência.
Cuca nunca cumpriu a pena, já expirada, por ter voltado ao Brasil e não ter acompanhado o julgamento no local. Não há tratado de extradição entre os dois países.
Culpado ou não, a acusação, no entanto, vai ter um peso tão grande sobre as costas do treinador, que dificilmente ele irá resistir por muito tempo no clube. O Corinthians, de origem popular, sempre teve como bandeiras principais o respeito à diversidade, aos direitos humanos e às causas sociais.
A Gaviões da Fiel, principal organizada do clube e a mais atuante entre as torcidas brasileiras, desde sua fundação, segundo Chico Malfitani, um dos seus fundadores, veio para defender valores democráticos, se contrapondo ao autoritário Wadih Helu, então presidente do Corinthians e visto como simpático à ditadura no País.
As décadas se passaram e a torcida corintiana continuou vinculada a valores igualitários, inclusive em relação às mulheres e à população LGBTQIAPN+. Recentemente, a torcida corintiana se colocou contra a postura do governo do então presidente Jair Bolsonaro, de extrema-direita, e avesso a causas sociais.
Em 2021, o clube lançou um uniforme predominantemente roxo, cor que representou diversos movimentos feministas ao longo da história, com o slogan “Respeita as minas”.
Foi uma maneira de se colocar ao lado das causas feministas, numa homenagem a todas as corintianas, e mulheres em geral, que lutam pelo clube, por um espaço no futebol e pela inclusão social de forma igualitária e com respeito.
A torcida feminina do Corinthians, neste momento, tem crescido demais e influenciado o comportamento dos torcedores como um todo.
Logo após a contratação de Cuca, manifestações contrárias se multiplicaram nas redes sociais.
A condenação por estupro é um convite à demissão do treinador antes mesmo de sua chegada. Qualquer deslize dentro de campo servirá como pretexto para uma cobrança sem precedentes.
E mesmo a conquista de títulos não será suficiente para suplantar essa contrariedade que, em sua essência, não se desdobra a qualquer outro valor, a não ser o humano.
Há verdades, no imaginário popular, que são intransponíveis. Ainda mais em um clube com o histórico tão ligado a causas sociais como o Corinthians.