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“O futebol saudita vai melhorar com craques como Neymar”, diz ex-técnico Candinho

Ex-treinador da seleção brasileira apontou mudanças na Arábia Saudita e conta como sua geração ajudou a liga local, que tem início nesta sexta-feira (18) a evoluir até este momento

Por Eugenio Goussinsky

Quem conheceu a Arábia Saudita até os anos 1990 não imaginaria que, décadas depois, o governo local, antes fechado para o mundo, teria como principal preocupação melhorar a imagem do país. Justamente para atrair novos negócios em um mundo que antes era considerado uma ameaça. O futebol, dentro desse contexto, se tornou uma ferramenta fundamental para essa estratégia do governo. A liga saudita, enriquecida pela qualidade de talentos como Neymar, Benzema e Cristiano Ronaldo, tem início nesta sexta-feira, prometendo atrair a atenção do mundo. (Foto – Acervo da Lusa)

Um dos brasileiros que melhor conheceram o país nos anos 1980 e 1990 é o ex-treinador Candinho, de 78 anos. Ele trabalhou por anos na Arábia Saudita. Afirma que a sua geração de treinadores, composta também por nomes como Telê Santana, Luiz Felipe Scolari, Valdir Espinosa, Paulo César Carpegiani e Rubens Minelli, foi determinante para o atual momento vivido pelo futebol saudita, com investimentos milionários em craques consagrados.

“Todos nós, técnicos brasileiros, fomos responsáveis por esse momento. Chegamos em uma época em que não havia toda essa estrutura. Não tinha praticamente nada. E aos poucos fomos passando os conceitos, os fundamentos, a maneira de se posicionar, todos os detalhes. O futebol local se desenvolveu e a seleção saudita até ganhou da Argentina na última Copa do Mundo”, afirma Candinho que, além de comandar mais de 20 equipes entre 1979 e 2013, foi treinador interino da seleção brasileira em 1999 e 2000.

Em quatro ocasiões, Candinho comandou o Al-Hilal, que, no fim dos anos 1970, já havia contratado o astro Rivellino.
Ele foi técnico da equipe em 1984-1985, 1988-1989, em 1993 e em 2006. Em 2004-2005 e em 2007 ele trabalhou no Al-Ittihad.

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Ao olhar para o passado, ele vê uma diferença gritante entre aquela época e o momento atual.

“Na época pagavam bem, melhor do que no Brasil, por isso íamos para lá. Mas não se pagava tanto. Tudo mudou muito por lá. A economia cresceu porque a mentalidade mudou. Quem comanda as instituições hoje são jovens que estudaram na Europa e nos Estados Unidos, conheceram uma mentalidade ocidental. Na minha época pode-se dizer que o país era administrado por uma geração com uma mentalidade muito mais primitiva”, observa.

Candinho conta que conheceu o atual príncipe herdeiro, Mohammad Bin Salman, que de fato governa o país. Na época de Candinho ele Bin Salman era um menino de cerca de 8 anos, que frequentava os treinos e os jogos ao lado dos familiares mais velhos.

Eu via sempre ele por lá, com outros meninos. Acompanhavam os treinos, entravam no campo, mostravam um apego muito grande ao futebol. Hoje eles administram de outra maneira, com uma visão capitalista”, ressalta.

Em 1993, Candinho foi técnico da seleção da Arábia Saudita, e passou por uma situação difícil, ao se negar a mudar a equipe por ordem de um príncipe. Acabou deixando o país, mas retornou tempos depois para novamente comandar o Al-Hilal. Para ele, os atuais jogadores não correm risco de serem punidos pela rigorosa lei local.

“Hoje há espaço para pessoas assistirem os jogos de calça jeans. Os estádios são arenas, as cidades têm shoppings modernos, ruas largas, como nos Estados Unidos. Não haverá nenhuma perseguição a eles. Isso é coisa da imprensa”, afirma.

Sem decadência

O ex-treinador rebate as afirmações de que os jogadores que foram para lá entrarão em uma fase de declínio na carreira.

“Não há decadência nenhuma em ir para lá. A Arábia ganhou da Argentina, tem formado bons jogadores. O nível é bom e vai se elevar ainda mais com jogadores consagrados. Não são eles que vão piorar, o futebol é que vai melhorar com craques como Neymar, Benzema e Cristiano Ronaldo”.

Para Candinho, Neymar tomou uma decisão acertada nesse momento da carreira.

“Neymar fez boa escolha em ir jogar na Arábia Saudita. Vai ganhar trilhões, atuar em estádios maravilhosos, ter uma ótima infraestrutura. E as equipes de lá são competitivas. Ruim está o nível em geral do futebol brasileiro”.

No país, o som dos minaretes chamando para a reza já se mistura ao da música moderna nos rádios dos carros de Riad.

Mulheres já podem dirigir, ter direito a serviços públicos sem um tutor e até votar.

A influência da religião permanece, agora de forma indireta, encoberta pela imagem de nação em busca de diversificar a economia, abrindo novos campos, além dos petrolíferos, como a indústria, a construção civil e os serviços.

Ditadura intacta

A Arábia Saudita tem passado por uma reestruturação que, no entanto, ainda a mantém como uma ferrenha ditadura. Candinho, no entanto, diz que já houve momentos em que a repressão era muito mais severa.

“Na minha época, bandido tinha as mãos cortadas em praça pública. Hoje está mais moderado, Na minha época tudo era mais rígido. Hoje, as mulheres podem dirigir, votar. Mudou muito. Mas, mesmo com todas as regras de então, não tive maiores problemas, eu e minha família gostávamos de morar lá”, garante.

Especialistas afirmam que todo esse cenário de mudanças é direcionado a investidores, turistas ou trabalhadores de fora. O povo, de uma maneira geral, continua oprimido.

“Para justificar a supressão da oposição e a restrição dos direitos sociais e humanos de seus cidadãos e trabalhadores migrantes, a elite saudita encorajou esta narrativa do excepcionalíssimo saudita – de uma Arábia Saudita sem seu povo”, afirma a professora emérita de história na George Washington University, Dina Rizk Khouri.

Candinho aponta um importante fator que já mostrava as desigualdades na época. A população e até mesmo os profissionais do futebol não podiam consumir álcool, de acordo com as leis islâmicas. Havia brasileiros que, inclusive, construíam alambiques clandestinos para reunir os amigos em festas. Isso não acontecia, no entanto, com os governantes locais.

“Naquela época, em reuniões dos governantes locais se servia uísque. O povo não podia, mas muita gente que mandava, podia”, lembra.

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