Neurologista da Unifesp analisa, para o Portal E21, descoberta do Instituto Weizmann nesta área
Eugenio Goussinsky
Pesquisadores do Instituto Weizmann de Ciências, em Israel, conseguiram observar como o “hormônio do amor” influencia os primeiros vínculos entre filhotes de camundongos e suas mães. O grupo liderado pelo professor Ofer Yizhar desenvolveu uma técnica inédita, não invasiva, que permite desligar neurônios específicos no cérebro de animais jovens sem alterar seu comportamento natural.
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Segundo Yizhar, “este novo método nos permite espiar o funcionamento do cérebro sem interferir na rotina dos filhotes, o que o torna uma ferramenta poderosa para estudar o desenvolvimento do sistema nervoso”. Ele acrescenta: “É especialmente útil para investigar a ocitocina, já que os efeitos desse hormônio dependem do contexto social, e nossa técnica possibilita desativar o sistema de forma controlada, exatamente no momento que queremos analisar”. (Abaixo, link de Heal The World, com Michael Jackson)
Para o neurologista Daniel Yankelevich, este tipo de experimento, em outra etapa, pode ser projetado nas relações humanas. Yankelevich é, entre outras funções, preceptor no Ambulatório de Neurocomportamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador de equipe da Neurologia do Dr. Consulta.
“O interesse do tema, envolve tanto o entendimento que o comportamento pró-social [ajuda voluntária a outras pessoas] pode ser em seus estágios precoces direcionada pela ativação de células produtoras de ocitocina”, diz ele ao Portal E21. “Por outro lado, a ausência ou redução de sua produção, hipoteticamente, pode ter seu lugar na gênese de transtornos ligados a ausência de prosociabilidade e vínculo como o Transtorno do Espectro Autista.”
Sinais de apego
A equipe do Weizmann se concentrou no momento em que o filhote era separado da mãe e depois reunido com ela, situação comparável à vivida por qualquer criança pequena. Durante a ausência, a atividade da ocitocina aumentava no cérebro dos camundongos, voltando ao nível normal quando a mãe retornava.
Aqueles que mantinham o sistema ativo se adaptavam gradualmente ao isolamento, emitindo menos vocalizações ultrassônicas – equivalentes ao choro humano. Já os filhotes com o sistema desligado não conseguiam se ajustar: continuavam emitindo sinais de angústia até o reencontro.
“Esse estudo é muito inovador”, prossegue Yankelevich. “Ele avalia a fisiologia e impacto da ocitocina na interação mãe-filho, do ponto de vista do filho. Já se estuda há algum tempo o efeito pró-social da ocitocina e reguladors da interação parental no camundongo adulto, mas sempre houve dificuldades nesse estudo em filhotes. Então, ele é inovador pelo próprio tema do estudo, pelo fato de demonstrar por multiplos parâmetros que a ocitocina mesmo nos primeiros estágios do desenvolvimento é responsável por um impulso pró social do filhote em relação a mãe.”
Ele ressalta que, por meio, de múltiplas formas, os pesquisadores quiseram entender como ocitocina e os neurônios do hipotálamo (região cerebral) que produzem ocitocina são importantes para quando o filhote de camundongo é retirado da mãe por 3 horas. Ao retornar para o contato com a mãe, a ocitocina motiva e direciona o filhote a voltar o vinculo para a mãe.
Segundo analisou Yankelevich, os filhotes em que tiveram ocitocina bloqueada tanto através de medicação quando através de métodos genéticos, não buscavam a mãe depois da separação apesar de manter os mesmos comportamentos motores e a busca por alimentos.
“Talvez o ponto mais inovador desse estudo é o primeiro a realizar isso é o fato deles conseguirem manipular neurônios que produzem ocitocina usando luz vermelha, inativando ou ativando eles, sem precisar de métodos em que é necessario fazer cirurgia no cérebro do filhote, um cérebro muito pequeno, muito dificil de ser manipulado. Então eles conseguiram manipular ativar e inativar genes através de luz sem precisar fazer cirurgia grande, sem ser de uma maneira invasiva. Uma grande inovação para o ramo. ”
Yizhar observa outra questão nova: “Descobrimos que os filhotes precisam de um sistema de ocitocina ativo para enfrentar a separação”, diz o cientista.
“Isso sugere que o hormônio atua não apenas no cérebro dos pais, como já era sabido, mas também no dos bebês. Além disso, como os receptores de ocitocina estão presentes em áreas de processamento sensorial, acreditamos que o hormônio também ajuda a aguçar os sentidos quando o filhote está sozinho”. (Abaixo, link de A Mother´s Prayer, com Céline Dion).
O cientistas notaram ainda que a ativação do sistema durante a separação não apenas fortalecia os animais no momento, mas influenciava seu comportamento depois do retorno da mãe. Eles emitiam mais vocalizações do que o normal, e a frequência aumentava conforme se aproximavam da fêmea.
Inteligência artificial
Outra novidade é que, com o apoio de inteligência artificial, foi possível identificar um padrão distinto: antes de mamar, os chamados eram agudos e acelerados; depois do contato, tornavam-se mais graves e lentos.
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“Acionar o sistema de ocitocina na ausência da mãe aumenta a motivação do filhote para restabelecer a proximidade no reencontro”, detalha Yizhar. “Isso se reflete no ritmo e na forma particular dos sons. Agora sabemos que essas vocalizações não são apenas um choro: os chamados agudos e rápidos parecem sinalizar um pedido de proximidade, enquanto os mais graves e lentos expressam calma e o desejo de manter o vínculo”.
Diferenças entre machos e fêmeas
O estudo também verificou distinções de gênero já nos estágios iniciais do desenvolvimento. Fêmeas com o sistema de ocitocina ativo vocalizavam muito mais quando voltavam para a mãe, em comparação com aquelas cujo sistema havia sido silenciado. Nos machos, essa diferença não foi observada.
“É a primeira vez que uma disparidade sexual é registrada na atividade do sistema de ocitocina tão cedo na vida”, observa Yizhar. “Isso pode ajudar a explicar por que homens e mulheres seguem trajetórias diferentes em seus comportamentos sociais e emocionais muito antes da puberdade”.
Uma peça-chave da infância
A chamada teoria do apego sustenta que crianças seguras em sua relação com os pais sofrem com a separação, mas conseguem se acalmar e explorar o ambiente após algum tempo. Essa lógica, segundo os cientistas, parece se aplicar também aos camundongos. Crianças, assim como os filhotes, não esquecem rapidamente a experiência da ausência e moldam seu comportamento no reencontro.
Estudos anteriores já sugeriam que a ausência de ocitocina pode estar ligada ao autismo infantil. Como os receptores desse hormônio atingem o pico de concentração entre os dois e três anos de idade em humanos – e entre a segunda e a terceira semana em camundongos – a fase inicial da vida mostra-se especialmente sensível. Isso reforça a ideia de que compreender como a ocitocina atua nesse período é crucial para decifrar problemas de desenvolvimento emocional e social.
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“Grande parte das funções da ocitocina é comum a todos os mamíferos”, conclui Yizhar. “Mas os próximos passos precisam verificar se esse hormônio afeta o amadurecimento emocional, o comportamento social e o vínculo materno no cérebro humano. Se confirmada essa hipótese, teremos pistas valiosas sobre o que pode dar errado no desenvolvimento – como nos casos de autismo – e como intervir precocemente”.
Além de Yizhar, participaram do estudo o médico-cientista Daniel Zelmanoff, Rebecca Bornstein, Menachem Kaufman, Julien Dine, Jonas Wietek, Anna Litvin, Ayelet Atzmon, Ido Porat, Shaked Abraham e Savanna Cohen, dos departamentos de Ciências do Cérebro e de Neurociência Molecular do Instituto Weizmann.
