Eugenio Goussinsky
A rivalidade entre Ponte Preta e Guarani, muitas vezes confundida com paixão, tem se desviado para um ódio prejudicial ao futebol. Não foi esta a única causa para a queda dos dois clubes para a Série C do Brasileiro. Mas contribuiu. E é o momento de se falar sobre ela, como uma questão inerente a várias outras agremiações.
É inegável que, para o rebaixamento, estas duas equipes, que já foram pilares do futebol brasileiro, enfrentam os mesmos problemas financeiros, desafios em manter jogadores com altos salários e uma infraestrutura comprometida. Mas, no caso delas, já endividadas, se insere neste contexto a rivalidade nociva, fenômeno crescente neste esporte no país.
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Nos estatutos dos dois clubes, símbolos da polarização extrema, é proibido usar as cores do time adversário. Nas lanchonetes, é vedado até falar sobre o rival. Para uma legião de torcedores, a relação com o adversário vai além da disputa dentro de campo. Cria uma atmosfera de hostilidade constante. Não é raro alguns deles se comportarem como feras, nas ruas, atrás de rivais para se digladiar.
Essa cultura pouco questionada pela mídia, é, na realidade, muito mais aversão do que devoção. O verdadeiro amor ao clube é substituído pela obsessão em destruir o outro, uma projeção das frustrações daqueles que se deixam consumir pelo ódio.
Nelson Rodrigues já descrevia tal postura nos anos 1960 com a frase “futebol é ódio”, bem representada pela situação das duas equipes. Em vez de celebrarem suas vitórias, muitos torcedores do Guarani e da Ponte Preta se importam mais em ver o rival derrotado, ou até mesmo destruído.
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Tal mentalidade foi absorvida pelas diretorias. Na tentativa de agradar a muitos antitorcedores, passaram a administrar os clubes em uma “guerra” constante contra o inimigo, em vez de focar nas necessidades reais da equipe. Parecem fazer o necessário para superar o outro. Olham mais para o jardim do vizinho.
No campo financeiro, essa obsessão pelo rival se refletiu em ações ineficientes. Em 2023, a Ponte enfrentou sérios problemas, como salários atrasados, penhoras e transfer ban, o que resultou na perda de cotas importantes pela ausência nas principais competições.
Em 2024, a equipe optou por vender promessas, como Eliel, Felipe Amaral, Felipinho e Léo Naldi, tentando recuperar o fôlego financeiro. O Guarani seguiu trajetória semelhante, negociando direitos de jogadores como Richard Ríos e Elias Manoel para equilibrar suas finanças.
Faltas de Dicá e Zenon
Ambos os clubes, além de reféns de empresários, se tornaram vítimas de uma mentalidade destrutiva. Que fez as dificuldades ficarem ainda mais pesadas. Os valores do futebol, de uma maneira geral, regrediram.
Se antes as figuras emblemáticas de Campinas, como Dicá, Oscar, Zenon e Careca, representavam a união e o respeito entre os times da cidade, hoje prevalece o conceito do antagonismo selvagem.
O futebol, em vez de ser um espaço para o espetáculo e para o companheirismo, se tornou em grande parte um terreno fértil para a propagação dessa brutalidade mental.
Esse comportamento, embora disfarçado de retórica conciliadora, também está presente em outras regiões. No Rio Grande do Sul, por exemplo, enquanto falava em solidariedade durante as enchentes, o Internacional se negava a emprestar seu estádio ao Grêmio, demonstrando como a rivalidade muitas vezes se sobrepõe aos valores humanos.
Cada vez mais o futebol brasileiro parece ser um reflexo de uma sociedade que ainda carrega os resquícios dessa cultura de destruição.
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Nos tempos de Dicá e Zenon, quando um deles marcava lindo gol de falta, o outro treinava para fazer um mais bonito no domingo seguinte. A Ponte Preta disputava a final em 1977, o Guarani corria atrás para ser campeão brasileiro em 1978. Para em 1979 a Ponte ir a nova decisão do Paulista. E depois em 1981…Hoje, esse ideal construtivo poderia se transferir para as gestões.
A união dos dois clubes, por exemplo, na busca de solucionar os problemas financeiros e cada um se tornar uma SAF, seria uma solução. Trabalharem juntos para aproveitar mais o potencial financeiro de Campinas. E a gloriosa história de ambos. No atual estágio, Guarani e Ponte se perdem em algo que deturpa a essência real da rivalidade. O bom rival atua para ajudar o outro a crescer. Impondo-lhe adversidades que fortalecem. Como um amigo.