Por Eugenio Goussinsky
Na época da última eleição presidencial no Brasil, os candidatos Lula e Bolsonaro eram considerados por muitos como polos opostos. Nada, absolutamente nada havia de comum entre eles, em relação ao conteúdo ideológico e programático.
Lula defendia o fim da ampliação do porte de armas, enquanto Bolsonaro considerava essa ideia absurda por desarmar a população diante dos bandidos.
Bolsonaro criticava as cotas raciais na Educação e buscava maior autonomia da família no ensino das crianças. Lula, por sua vez, pregava maiores investimentos no ensino público e na democratização da informação.
Até mesmo no último debate, Bolsonaro pediu que Lula ficasse ao seu lado para ouvir uma réplica e foi rechaçado pelo candidato. Por outro lado, há rumores de que Bolsonaro tinha repulsa só à ideia de ver Lula à sua frente.
Mas quando o tema é Rússia, e mais precisamente, Vladimir Putin, curiosamente, somem a repulsa, as discordâncias, as opiniões polarizadas. Ao contrário, de ambos os lados, a opinião em relação ao líder autocrata e à invasão da Ucrânia convergem.
Por mais que, neste momento, Bolsonaro, isolado e ameaçado de se tornar inelegível, critique as declarações de Lula em favor de uma postura neutra quando o assunto é a terrível invasão da Ucrânia, iniciada pela Rússia, a semelhança é evidente.
Dias antes da guerra, Bolsonaro garantia que Putin era um homem de paz, após ter feito uma visita oficial à Rússia. E, meses depois de iniciada a sangrenta invasão, continuou mantendo estreita relação com o presidente russo, argumentando inclusive que não gostaria de tomar partido em função dos interesses do Brasil.
“Queremos a paz e faremos tudo para que a paz seja alcançada. Lamentamos os conflitos, mas tenho um país para administrar. E pelas suas dependências, temos que ser sempre cautelosos”, declarou.
Lula, por sua vez, adotou postura muito similar, senão idêntica. Em recente visita aos Emirados Árabes, ao falar da guerra, culpou também a Ucrânia, a União Europeia e os Estados Unidos pelo conflito, causando alvoroço no cenário internacional e, dias depois, diante das críticas americanas, voltando atrás em parte de sua declaração.
“O presidente (russo, Vladimir) Putin não toma a iniciativa de parar. (O presidente ucraniano, Volodimir) Zelenski não toma a iniciativa de parar. A Europa e os Estados Unidos continuam contribuindo para a continuação desta guerra. Temos que sentar à mesa e dizer para eles: basta”.
Simpatias, vieses ideológicos e interesses subliminares estão por trás dessa união de convicções entre Lula e Bolsonaro. Ambos trazem a intenção de mostrar personalidade e uma certa independência do Brasil em relação aos interesses ocidentais.
A questão da Grande Rússia também está presente. O termo surgiu na época dos czares, monarcas ditadores que concentravam o poder e a renda no país e controlavam toda a região em busca de poder e manutenção dos seus interesses.
Em 1917, Nicolau II, da família Romanov, foi o último czar, tendo sido preso e depois executado junto com sua família.
Apesar de sua personalidade dócil e educada, como governante aprovou massacres, foi condescendente com o antissemitismo e um dos responsáveis pela grave crise econômica que revoltou camponeses e operários, causou sua deposição e deu início à Revolução Comunista.
Putin, no entanto, tem mostrado orgulho da história czarista da Rússia, por sua demonstração de força, pelo seu imperialismo e pelo nacionalismo exacerbado. Neste ponto, o lado czar de Bolsonaro simpatiza com tal postura.
Por outro lado, após a Revolução Russa, várias etapas se seguiram (Kerensky, Lênin), até a chegada do sanguinário Josef Stalin ao poder (1924), quando ele passou a comandar um dos regimes mais cruéis da História.
Fome, perseguições, execuções se perpetuaram por anos, até sua morte, em 1953. Esse regime, no entanto, posicionou a Rússia como uma nação com controle sobre toda a União Soviética e, por consequência, também remeteu ao conceito de Grande Rússia, tão cultuado por Putin.
Mesmo não defendendo as ideias stalinistas, Lula acaba nutrindo maior simpatia pelo comunismo russo que se contrapôs aos interesses americanos durante grande parte do século 20 e inspirou a ação de muitos sindicatos, inclusive o que ele presidiu nos anos 80, em uma época em que o Brasil vivia oprimido por uma ditadura de direita.
Claro que muitos outros fatores estão presentes nesse vínculo tão complexo, em um momento no qual os países do BRICS (do qual fazem parte o Brasil e a Rússia) voltam a buscar mais representatividade, inclusive com o retorno de Lula à presidência e seu objetivo de reestruturar a imagem do país no cenário internacional.
Lula diz querer a paz, o que é louvável e digno de credibilidade. A forma como tem feito isso, no entanto, confronta os Estados Unidos e a União Europeia com um toque de hostilidade, o que contradiz o seu discurso em prol do entendimento.
Ele precisa, por exemplo, ir à Ucrânia, atendendo de pronto ao convite do governo local, que deseja sua visita para que veja atrocidades cometidas pelos russos por lá.
Sem isso, continuará deixando sérias suspeitas de que, muito mais do que o desejo pela paz, ele está escondendo interesses ideológicos, revanchistas e históricos por trás de seu discurso. Um discurso, em relação à Rússia, bolsonarista.