Eugenio Goussinsky, Portal E21
O que pensar quando um rapaz de 18 anos, ainda com o brilho da juventude nos olhos, é arrematado por um gigante europeu por 40 milhões de euros, só para, em um passe de mágica, ser descartado depois de seis míseros meses? “Não agradou”, dizem os entendidos. A mim, parece um teatro europeu que exala uma névoa de hipocrisia.
Vitor Roque, o personagem desse drama, mal teve tempo de decorar as linhas do Camp Nou. Fez 14 partidas pelo Barcelona na Liga nacional – ou melhor, 13 e uns quebrados na Liga, vindo do Athletico. Isso porque, em 4 de janeiro, antes mesmo de ter seu nome anunciado nos letreiros, entrou em campo aos 32 minutos do segundo tempo.
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Recebeu aplausos contra o Las Palmas e ajudou na vitória por 2 a 1. O técnico era Xavi.
Avancemos para 3 de agosto, num amistoso contra o Real Madrid. Ali, nosso protagonista foi escalado fora de lugar, atuando como meia – quando seria mais lógico colocar o atacante na cozinha para ver se ele acerta uma receita, certo? Movimentou-se, deu sabor ao time, mas, ironicamente, Hansi Flick, o chef da vez, também não ficou satisfeito com o tempero do garoto. Mais uma vez, “não agradou”.
Sete meses depois, Vitor Roque, que mal teve chance de desamassar a chuteira, é despachado para o Betis, por empréstimo. Um jogo de empurra-empurra com ares de novela mexicana, onde o mocinho é sempre deixado à deriva.
E o mais curioso de tudo? Boa parte da mídia trata isso como se fosse uma tarde qualquer de domingo, sem a menor inquietação. Para mim, soa como um bullying mundial em HD. Tudo sob o manto das tais “exigências do profissionalismo.”
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Ah, as exigências do profissionalismo! Mas, diga-me, por que elas não valem para o Barcelona? O clube desembolsa uma pequena fortuna para contratar o rapaz e parece fazer isso com a mesma convicção de quem compra um bilhete de loteria. Seriam 40 milhões de euros investidos numa experiência de laboratório?
E mais: por que razão um clube sabotaria seu próprio investimento, depreciando um jovem que, convenhamos, já chegou com idade sabida? Se Vitor Roque tivesse dificuldades de adaptação – o que não seria surpreendente – qualquer empresa que se preze, e que saiba o que fazer com o próprio dinheiro, traçaria um plano. Não só para proteger o jovem, mas também o montante gasto. Deixar o garoto à mercê dos leões é um descaso.
O futebol europeu, que tanto prega o fair play financeiro, muitas vezes não tem a menor cerimônia em rasgar notas. E o faz com uma arrogância que chega a ser uma afronta, especialmente quando o protagonista do desperdício é um brasileiro.
Casos semelhantes se acumulam nos bastidores como manchas em um quadro vendido como impecável. Que o digam Gabigol, Reinier, Pedro, Ganso, Paulinho, Arana, Lucas Silva…
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A frase “não deu certo” virou o grande eufemismo do futebol moderno. Para “dar certo”, é preciso que ambos os lados façam a sua parte. É verdade, nem todos os jogadores desempenham o que prometem. Mas e o clube? Não há responsabilidade em planejar, cuidar, desenvolver? Claro que sim.
“Não deu certo” é o rótulo cômodo que encobre uma série de explicações mais profundas. Ah, no final, Xavi já nem está mais em cena no clube. E Flick vai bem no campeonato. Deve achar que fez o certo.
Mas, como diz o Barcelona (més que un club), é mais que o jogo em si. O futebol europeu, com sua aura de eficiência, continua a tratar muitas promessas como fichas descartáveis. Triste, mas verdade. E o espetáculo? Esse nunca para.