Ciência e Tecnologia
Goldemberg, ex-ministro e físico: ‘O maior prêmio do cientista é o avanço’
Considerado uma das mentes mais brilhantes do Brasil, renomado físico, que já foi ministro da Educação e da Ciência e Tecnologia, aos 94 anos, relembra momento em que quase ganhou o Nobel e comenta sobre as novidades em sua área
Eugenio Goussinsky
Na pista oval do clube Hebraica, o físico José Goldemberg caminha diariamente, contemplando as árvores que preenchem a parte central. Entre o canto de pássaros, ruídos da bolinha de beach tennis e conversas paralelas, sente que aquele é o seu universo.
A cena, em meio à manhã luminosa, o faz parecer um astronauta solitário orbitando seu planeta, enquanto desenvolve suas ideias, lembra-se do passado e mantém sua saúde preservada.
Aos 94 anos, Goldemberg continua lúcido e busca se atualizar com as revistas de sua área. E desfruta de muitos fenômenos que tentou entender durante a vida, como a internet, o celular e a comunicação por WhatsApp.
Físico premiado, professor acadêmico e tido como uma das mentes mais privilegiadas do Brasil, ele também foi, entre outros, Ministro da Educação (1991-1992) e secretário (equivalente a Ministro) de Ciência e Tecnologia (1992), além de presidente em exercício da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), entre 1979 e 1981, e reitor da Universidade de São Paulo (1986-1990).
Contemporâneo de nomes como Julius Robert Oppenheimer (1904-1967, diretor do Projeto Manhattan para o desenvolvimento da bomba atômica), Robert Hofstadter (1915-1990, ganhador do Nobel em 1961) e Richard Feynman (1918-1988, ganhador do Nobel em 1965) Goldemberg, em sua pesquisa sobre elétrons, na Universidade de Stanford, esteve próximo de ganhar o primeiro prêmio Nobel do Brasil, em 1972. “O maior prêmio de um cientista é o avanço”, afirma.
Em entrevista ao E21, este gaúcho de Santo Ângelo (27 de maio de 1928), caçula entre quatro irmãos de origem judaica, conta como ainda se surpreende com as descobertas da Ciência e revela seu descontentamento com o descaso dos governos em relação à Ciência e Tecnologia do Brasil.
Espinosa 21 – O que o levou, na infância, a se fascinar pela Física?
José Goldemberg – No Rio Grande do Sul, eu estudava na escola estadual Júlio de Castilhos, muito boa, o ensino público no estado sempre foi muito bom e tinha uma forte influência positivista. Nas ideias positivistas você procura a causa nas coisas. A ideia de que existe uma causa e efeito é basicamente positivista, o pessoal de Ciências Sociais critica essa ideia, diz que a relação entre causa e efeito não é tão clara assim, mas a escola tinha bons professores e admitia a posição de que os fenômenos não são intervenção divina, mas fruto de causas naturais. Isso estimula as pessoas a procurarem as causas.
E21 – Veio então da filosofia a sua paixão pela Física…
JG – Sim, há uma ligação entre uma e outra. Meu professor de Física, curiosamente, era um médico e dava aulas para ganhar um pouco mais. Ele era muito bom. Ensinava Física, eu não me lembro por exemplo dele falar de átomos, que é o que me despertou interesse posteriormente, mas ele era muito claro em tentar estabelecer uma relação entre causa e efeito, que é o fio condutor de um cientista de Ciências Naturais. Eu fico admirado porque minha filha Débora é antropóloga e ela diz que, na Antropologia, se questiona claramente essa ideia de que há uma relação clara entre causa e efeito.
E21 – Quantos filhos o sr. tem?
JG – Tenho quatro, um faleceu. Todos eles estão com mais de 50 anos. Moro com minha esposa. Sabe que tenho 94, não?
E21 – Sim, claro, e me impressiona seu dinamismo. Para o sr., ainda há espaço para aprendizado e surpresas no dia a dia, em relação a essas questões de causa e efeito, aos fenômenos que nos cercam?
JG – Definitivamente, sim. Por exemplo, agora com a internet é muito mais fácil entrar em contato com as realidades rapidamente, além do que assino revistas, também online, da minha especialidade. Tenho ficado fascinado, frequentemente, por exemplo, com o fato de entenderem melhor o comportamento dos buracos negros. Agora estão começando basicamente a fotografar buracos negros. Antes não se sabia o que eram essas formações. Com o desenvolvimento cada vez maior na área de mecânica quântica aparecem fenômenos que são muito difíceis de entender com a Física clássica. Já eram com as ideias de Albert Einstein (1879-1955), mas agora o conhecimento está ficando cada vez mais sofisticado.
E21 – O sr. já disse que usa muito a internet. E em relação aos celulares, há alguma ligação deles com a física quântica?
JG – De certa maneira, sim. Todos os efeitos da escala atômica são governados por leis da mecânica quântica, mas nada de muito anormal, que venha de algo que não se conhecia. Computadores com temperaturas mais baixa, para ter maior capacidade de memória, maior velocidade, como é o 4G e 5G, são mudanças quantitativas e não qualitativas.
E21 – Que tipo de mudança qualitativa seria significativa para os atuais conceitos da física quântica?
JG – As maiores novidades, que seriam anormalidades no atual conceito, estão aparecendo agora quando já se acha que não há quatro dimensões no universo. Acostumou-se com a ideia, depois de Albert Einstein, de que o universo não tem só três dimensões, as espaciais (comprimento, largura e profundidade), mas o tempo é uma quarta dimensão. Há muitos trabalhos em que as pessoas têm suspeitado de cinco (com a hipótese de a gravidade se dissipar em outras dimensões). É um tipo muito particular de universo, pode haver outros com cinco dimensões. No nosso entendimento atual tem quatro, as três coordenadas cartesianas e o tempo. Há, no entanto, fenômenos que têm ficado muito difíceis de explicar só com essas quatro.
E21 – Como o senhor quase ganhou o primeiro Nobel para o Brasil, em 1972?
JG – Aprendemos na escola que a matéria, na física nuclear, é constituída pelas partículas. As que aprendemos são os prótons, neutrons, elétrons e outras mais exóticas, mas todas têm certo tamanho, com exceção do elétron, que tem tamanho zero.
Por mais que se tente identificar o tamanho, é menor do que podemos imaginar. O trabalho que fiz em Stanford – outros como Robert Hofstadter (ganhador do Nobel em 1961, com Rudolf Mössbauer) haviam medido o tamanho do núcleo – foi de tentar medir o tamanho do elétron. O resultado da experiência foi negativo, não havia tamanho.
O elétron era menor do que qualquer capacidade de detecção de qualquer tamanho. Se por acaso tivesse dado positivo, e eu tivesse descoberto o tamanho do elétron, seria uma descoberta espetacular, eu poderia ter ganho o Nobel. Não tem tamanho nenhum é uma forma de energia.
Na realidade, essas formas atômicas são ondas, há uma dualidade no nível atômico. A matéria não é um tijolo, é uma onda. No caso do elétron, por mais que tentamos ver o tamanho não tem tamanho, é zero. Fiz a experiência que levou ao valor mais baixo menos 10-13 cm. Ficou assim por muitos anos, já descobriram um pequeno aumento, mas ainda não encontraram um tamanho.
E21 – Qual o significado do Prêmio Nobel?
JG – O Prêmio Nobel é resultado de um trabalho, mas também resulta de vários trabalhos simultâneos de grupos e pesquisadores que também, por algum outro direcionamento da pesquisa, poderiam ser premiados. Avanços são conduzidos por dezenas de pessoas para explicar determinados fenômenos. Alguns chegam mais perto.
Einstein foi excepcional no sentido de dar uma formulação nova, o trabalho dele é mais profundo porque forneceu coordenadas para perceber que o tempo não era imutável, que depende do estado de repouso ou de movimento do observador. Mas havia outras pessoas que estavam pensando em coisas parecidas na época. Ele foi revolucionário no sentido de ver com mais clareza essas coordenadas.
E21 – O senhor carrega alguma frustração pelo fato de não ter conquistado o Nobel?
JG – Não fiquei chateado, o cientista se sente remunerado não por honrarias ou dinheiro, mas pelo sentimento de avanço que está tendo, foi um sentimento de avanço grande, havia outros, aquele representava um novo conhecimento e você se sente remunerado pelo sentimento de que realizou um avanço. O maior prêmio de um cientista é o avanço.
E21 – Como o sr. compara o atual estágio de preservação do meio ambiente no Brasil em relação a outros governos?
JG – Essa discussão não é só de um governo, é longa. Fui presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), muito próximo de movimentos ambientalistas e de todo movimento contrário ao regime militar e foi toda uma geração educada nesta área. Então ocupei cargos no governo com a responsabilidade de fazer as coisas. Durante todo o regime militar o que o cientista podia fazer era analisar e criticar. Fizeram muito bem em várias áreas, mas poucos de meus colegas foram colocados em posições executivas em que teriam a responsabilidade de fazer. Quando você tem a responsabilidade de fazer descobre aspectos que quem está criticando do lado de fora não entende bem.
E21 – Poderia citar algum exemplo?
JG – O movimento ambientalista se desenvolveu muito na Europa e EUA, mais na Europa, porque as pessoas mais ricas, que têm nível de vida mais elevado, foram eliminando os problemas que tornavam a vida mais desconfortável, por exemplo, limpeza do Rio Tâmisa, em Londres, antes tão poluído quanto o Pinheiros. À medida que os países europeus se tornaram mais prósperos, foram eliminando todas essas formas de poluição, até hoje. Após as fontes de poluição locais terem sido resolvidas, contaminação da água e do ar, agora a preocupação é o aquecimento global, que é um efeito mais complicado, delicado e mais a longo prazo.
E21 – Essa agenda também não é do Brasil?
JG – Sim, também é, sem dúvida, mas o Brasil não é um país de primeiro mundo, está em desenvolvimento. Uma elite intelectual, das universidades, acabou sendo conquistada por essas teses vindas de fora. De um lado, eles atuam de uma maneira positiva no sentido de forçar o governo a tentar melhorar as coisas, mas por outro exageram porque adotam teses difíceis de implementar em um país em desenvolvimento. É uma quimera, por exemplo, dizer que a Amazônia é intocável. E, para mim, o problema dos “apagões” é derivado da falta de um maior número de reservatórios nas hidrelétricas. Claro que não se pode chegar ao ponto do Ricardo Salles, que achava que não tinha problema ou dos militares, que achavam que preservação era um obstáculo ao desenvolvimento. É preciso preservar com inteligência.
E21 – Qual o significado das mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips e como elas devem ser encaradas no atual contexto da região?
JG – Significa a ausência de poder público, é como Duque de Caxias (município), no Rio de Janeiro. Quando eu era ministro da Educação fui lá, na época tinha 100 mil habitantes, uma escola e uma delegacia de polícia. Na Amazônia, o poder público é completamente ausente e o atual governo tem encorajado as atividades que não são estritamente legais. As reservas indígenas ficam à mercê dessas atividades de mineração pesca e outras, é proibido, é proibido e ponto final o governo precisa prender essas pessoas, O atual governo é particularmente ruim nessa área, encoraja o agronegócio, esse tipo de coisa, e não coloca polícia, dá nisso, esses incidentes que ocorrem e não é um incidente isolado, é o ambiente que se criou. Quando a Marina Silva era ministra do Meio Ambiente e o (João Paulo) Capobianco era o secretário executivo do ministério, o desmatamento da Amazônia caiu radicalmente porque o que a Marina fez foi mobilizar o poder público na região.
E21 – Nos últimos dois anos, a Ciência passou a ser desacreditada e vilipendiada por obscurantistas e negacionistas cujo discurso ganhou força. Como o sr. vê essa situação e o que ela significa?
JG – É verdade, são obscurantistas. Isso é perigoso e representa um retrocesso na Ciência. E esse retrocesso promovido pelo governo nos custará muito caro no futuro. Entre todas as áreas atacadas, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) é um exemplo típico. Acabou montando um sistema de monitoramento da Amazônia que é muito bom e foi desprezado pelo governo que veio com ideias de que irá contratar empresas estrangeiras. Contratar o Elon Musk! Evidente que isso não é só um desprestígio, mas também é um desserviço, porque daqui a pouco esse governo vai embora, daqui a pouco o Elon Musk vai embora, sabe-se lá qual o interesse comercial dele. Não podemos depender de Elon Musk. Esse governo fez muito mal para a Ciência e Tecnologia. Isso vai gerar reflexos no futuro. Quando se desprestigia uma instituição como o Inpe ou a Funai ou o Ibama, depois demora anos para recuperar.
E21 – Recentemente, um engenheiro da Google foi afastado porque afirmou que foi criada uma máquina que tinha sentimentos, com quem ele dizia conversar, contrariando o projeto da empresa de manter sigilo. Como o sr. vê essa situação? É possível uma máquina ter sentimentos e plena capacidade substituir o ser humano?
JG – Não é possível uma máquina ter sentimentos e substituir o ser humano. Esse engenheiro deve ser um exibicionista tentando faturar. Pelo que se sabe sobre os processos cerebrais, que a gente entende pouco, as máquinas estão muito muito distantes de fazer o que o cérebro faz. Não é que a Google tenha projeto secreto, claro todas as grandes empresas de computação trabalham com essa área de inteligência artificial, mas o que se entende por inteligência artificial hoje é uma coisa que você deve ver no computador, pega lá e faz uma procura no Google: convenção do clima, por exemplo, escreve “con” e já aparece, ele mesmo procura e acha, quer dizer, salta na frente. Não significa que seja mais inteligente que nós, significa apenas que no reservatório dele, lá na memória do computador é maior. Mas a decisão sempre é humana. E olha que às vezes os computadores erram, hein?
E21 – Como a Ciência tem se desenvolvido para entender quem seremos no futuro e como serão as máquinas nas próximas gerações?
JG – Isso não tem relação direta com a Física, mas com a teoria da evolução. Em relação a seres vivos, o Darwin (Charles Darwin, 1809-1882) respondeu essas perguntas. Não existe finalidade na vida, a menos que você seja religioso. A vida vai se adaptando às circunstâncias que vai encontrando, se há um nicho para dinossauros, os dinossauros crescem e suprimem as outras espécies. Agora, há um fato novo, que é o de estarmos começando a entender o código genético. Então aparentemente vai ser possível fazer um bebê com características programadas. Isso viola a ideia básica da evolução de Darwin. Sabe esses desenhos do macaco evoluindo até o homem? Isso não existe em Darwin. Essas novas ideias criam o conceito de que o ser humano é o centro do universo e superior. É verdade que o ser humano se diferencia por ter a razão, mas não é bem assim. Por exemplo, a visão das águias é muito melhor do que a dos humanos, o ser humano não é o pico da evolução.
E21 – Alguns físicos, como Isaac Newton (1643-1727), acreditavam que, além das leis da Física, poderia haver uma força maior misteriosa, mas presente, admitindo a possibilidade da existência de Deus. O sr. também vê desta maneira?
JG – Não existe Deus nenhum, não há nenhuma evidência da existência de um ser superior, o que tem é isso, a evolução vai nos levando por esse caminho, são as leis do universo.
E21 – Como, durante sua trajetória, o sr. conciliou o judaísmo com seu conhecimento sobre as leis da física?
JG – Não tenho hábito religioso, ao meu ver o que caracteriza os judeus é a ética, esses princípios fundamentais que os judeus têm por natureza: educação para os filhos, cuidados com os filhos, família. São visões de organização social, isso é que tornou este povo único, de todos aqueles da antiguidade foi o único que acabou sobrevivendo. Olha a quantidade de povos na Antiguidade, hititas, fenícios, etc. Desapareceram, os judeus foram os únicos, são os laços éticos, são os princípios que estão nas Tábuas de Moisés. A Torá é um livro de regras de convivência humana.
E21 – O sr. gosta de andar. Estou o acompanhando nesta caminhada enquanto conversamos. De onde vem e como encara esse hábito de, ao sair de casa para andar em um lugar com árvores, estar também desfrutando, em seu próprio ecossistema individual, da preservação do meio ambiente?
JG – Quando eu era jovem, corria, hoje ando. Não faço isso porque o médico falou, é porque eu gosto, é saudável, me sinto bem, os médicos ficam contentes. Não venho para conversar, não sei se você já reparou, mas ando aqui há 20, 30 anos, nunca me junto com as pessoas e nem fico conversando sobre negócios, histórias. Os médicos ficam contentíssimos que eu me exercito, porque faz bem para a saúde, mas não é só por isso que faço, é porque gosto. Claro que esse ambiente também me é aprazível, ver as pessoas, desfrutar do clube, que é muito bonito. Estar perto da natureza é um prazer para um cientista.
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