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Wanderley Nogueira: “Só trabalhei com craque na Jovem Pan”

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Ícone do rádio brasileiro, jornalista fala sobre sua trajetória, desde a infância no Brás até a Jovem Pan atual

– Por Eugenio Goussinsky

Na fronteira do Brás com a Moóca, Wanderley Nogueira passou seus primeiros anos de vida. Cercado de novidades, sonhos e aconchego familiar. As novidades estavam por todo lugar, naquela região efervescente, que já misturava, à sua tradição rural, casas residenciais, indústrias e um comércio intenso, que se estendia até o centro da cidade, ainda visto como uma área nobre. (Foto: Instagram Wanderley Nogueira)

Filho único do casal Octávio Rizzo e Clara Nogueira, também descendentes de imigrantes, o menino, nascido em 5 de março de 1950, concentrou todo o carinho e a atenção dos pais. A atmosfera acolhedora do lar, era, além das próprias refeições e dos estudos no Grupo Estadual Romão Puiggari, um importante alimento.

Tão prazeroso que, diferente da maioria dos meninos que nesta idade só pensam em brincar e jogar bola, ele nem se incomodava em ficar horas ao lado do pai, sentado na poltrona da sala e ouvindo, no rádio, o mais famoso noticiário da época.

“Sempre amei o jornalismo, meu pai era apaixonado pelo rádio, o veículo forte na época. Cansei de, ao lado dele, ficar ouvindo o ‘Grande Jornal Falado Tupi’, era o ‘Jornal Nacional’ na época, era quase obrigatório em casa, a informação era fundamental. Eu curtia, amava isso, era um sonho que eu achava que nunca ia alcançar”, diz Wanderley, jornalista e radialista que, depois de passar por alguns jornais impressos, ficou famoso na Rádio Jovem Pan.

A falta de um irmão

Aquele momento simbolizava, além da admiração pelo pai (ex-funcionário da Alpargatas), o fascínio pela informação, pelo esporte, pela comunicação. A voz do locutor substituía lentamente a luz do sol que se apagava na janela e mantinha acesa uma paixão que já nascia dentro dele. A de querer participar, a de querer criar vínculos, a de querer contar histórias.

“Eu, garotinho, narrava na rua futebol, jogava e narrava os garotos jogando, meus amigos, era uma zona. Como jogador eu era ponta-direita, meia boca, porque sempre gostei de jornalismo”, conta.

Se os pais eram presentes, Wanderley sentia a falta de um irmão para dividir angústias, se espelhar. Rivalizar de uma maneira saudável. Sentir o calor fraternal.

“Sou filho único, nunca tive o prazer de ter irmãos, gostaria muito, aqueles que têm brincam comigo, dizem, ‘você não sabe como é feliz’. Mas eu gostaria de ter vivido essa briga fraterna”.

E a busca de um trabalho foi para ele uma maneira de encontrar sua identidade. De se sentir definitivamente inteiro, irmanado com um ideal. Ele a foi tateando, destemido, desde os primeiros anos. Tornou-se até engraxate por um dia. Ou bem menos do que isso…

“Fui muito mimado, até por ser filho único, mas comecei a trabalhar muito cedo, sempre tive paixão pelo trabalho, você não imagina, gostaria que as pessoas tivessem isso ainda hoje, um outro tempo. Com sete ou oito anos, fiz escondido uma caixa de engraxate e saí para saber como é que era ganhar grana”, conta.

Menino trabalhador

“Fui até a Rua Alegria, ao lado da minha rua”, prossegue. Nasci em um local muito importante, na Rua Piratininga, a 2km, 3 km da Sé, nasci no centro, uma região bacana e no quarteirão comecei a me oferecer para ser engraxate. Até consegui engraxar o de um cliente, mas, no segundo, dei azar. Quem apareceu foi meu tio. Fui denunciado: ‘vocês não acreditam no que esse moleque está fazendo’. Não tomei cacete, mas ouvi de meu pai, ‘você tá louco, o que você está fazendo?’. Respondi que eu queria saber como é. Essa tentativa não deu muito certo, durou apenas alguns minutos”, lembra, como se o rio da vida desse voltas e ele estivesse, em seu curso, revendo imagens ondulantes deixadas nas águas da infância.

As imagens continuam ondulando e ele completa, com uma outra tentativa, que, por sinal deu certo.

“Passou um tempinho e houve uma falta de açúcar em São Paulo. Na outra esquina tinha um supermercado e eu fui lá para prestar serviço para o cara em troca de açúcar. Sabia que minha mãe ia ficar feliz. Já pensou, ela chega em casa, não tem para os outros mas tem para nós o açúcar, O dono ficou com dó, esse moleque tá a fim de inventar, pensou, vem aqui empacota esse negócio, vem todo dia fica meia hora e empacota e eu te dou açúcar. Fiquei radiante, aí meus pais já me trataram como herói, açúcar e doçura, tudo a ver, brincaram”.

Até que, tocado pela insistência do sobrinho, aquele mesmo tio Wálter, irmão de sua mãe, um conselheiro da família, resolveu dar o impulso inicial. Como diretor do maior magazine da época, a Casas Pirani, chamou Wanderley, perto dos 15 anos, e estudando na Escola de Comércio 30 de Outubro, para trabalhar lá.

“O slogan da loja era ‘A Gigante de São Paulo’, era na linha do Mappin, Mesbla, na avenida Celso Garcia, 292. Meu tio era da diretoria. ‘Esse moleque quer trabalhar, quer saber, vai trabalhar na Pirani’. Fiquei felicíssimo. Fui trabalhar no depósito, era legal, eu fazia notas fiscais, via toda a mercadoria, adorei, mas queria mais, queria mais, sempre fui muito antenado no cenário da época. Fiquei por um ano e eles queriam um cara que trabalhasse na empresa de propaganda da própria loja, Pira Propaganda. Fui para lá e me dei bem pacas, era o que eu queria, queria ação”, diz.

Publicidade e jornalismo

A experiência como publicitário o colocou diante do jornalismo, algo muito comum naqueles anos. Como assistente do diretor, redigia, criava e recebia representantes das agências e dos veículos jornalísticos, como Estadão, Diário da Noite, Diário Popular, Popular da Tarde, todos em busca de anúncios, do tipo página inteira, de eletrodomésticos.

“Tive o prazer de viver todos esses momentos, essas transições, isso não tem preço. Comecei a ter tratativas com esse pessoal, os diretores me conheciam, era um moleque maluco, criativo”, diz.

Também emissoras de rádio iam atrás de propaganda.

“Então me falaram você fala bem, me perguntaram, você não quer fazer boletins aqui de São Paulo para o interior? Era na Rádio Comercial de Presidente Prudente, foi aí que fiz meus primeiros boletins. Era correspondente em São Paulo com 16 anos”, destaca.

Os contatos não paravam, Wanderley tinha o dom da comunicação. Logo vieram convites para ser colunista, depois repórter especial do Popular da Tarde e trabalhar no Diário Popular. Chegou a trabalhar sem receber nos Diários Associados.

“Só tinha jornalista top, como o Álvaro Alves de Faria, só cara importante. Descíamos depois para os bares na Sete de Abril. Eram vários…alguns ficavam em porões, com música, bom gosto e papos imperdíveis. Para mim era fascinante ouvir craques conversando. Os caras do jornal não pagavam, mas era poético, eu era um garoto, estava no paraíso, escrevendo”.

Seu primeiro contato mais direto com o futebol foi quando se tornou colunista da FPF (Federação Paulista de Futebol).

“De repente me vi falando para o rádio no interior, escrevendo para o jornal e criaram uma coluna para mim a ‘FPF pegando fogo’. Encontrava todos os dias os presidentes de clubes. Todos iam lá. Era uma fonte de informações impressionante. No elevador da Federação entrava o árbitro de Corinthians e Palmeiras do dia seguinte, junto com os presidentes. A imprensa ficava em uma antessala. Hoje ficaria lá na marginal. Era um show de informações que a imprensa tinha naquele momento”.

Nos tempos da FPF, ao lado de José Ermínio de Moraes e Paulo Machado de Carvalho (Instagram Wanderley Nogueira)

Paralelamente, o publicitário Wanderley também avançava na carreira. Foi contratado para trabalhar na publicidade do Grupo Silvio Santos, convidado por um representante que tinha contatos na Pirani. O tio o liberou na hora, conta.

“Ele disse, com carinho, vai embora cara, vai ganhar mais, melhor que ficar aqui, foi porque você tinha todo esse desespero que te chamei. Meu tio me ajudou muito. Fui embora, fiquei 12 anos no grupo Silvio Santos fui assessor da diretoria de marketing, nunca tive menos do que três empregos simultâneos na minha vida inteira”.

Casamento e mudança

Na FPF surgiu convite para trabalhar na Gazeta Esportiva, em que se tornou repórter especial. E foi no tradicional jornal, onde começou ao lado de Flávio Adauto, e aprendeu com nomes como Solange Bibas e Álvaro Paes Leme, que ele recebeu o convite do coordenador de esportes da Jovem Pan, Cândido Garcia, para se transferir para a rádio. Iria receber cinco vezes menos do que no Grupo Silvio Santos, que era onde ele ganhava dinheiro, suficiente para já ter comprado seu primeiro carro.

“O pessoal do Grupo Sílvio Santos me ajudou muito, tenho vários defeitos, mas não sou ingrato, a gratidão para mim é um tesouro, não pode ter memória curta”.

Na ocasião, ele já estava casado com Nilde, desde os 25 anos. Foram colegas nas Casas Pirani, com Nilde tendo trabalhado no RH. A esposa concordou com a ida do marido. Sabia que era o maior sonho dele (trabalhar na rádio de maior projeção na época). Wanderley, já morando na Penha, se transferiu para a Jovem Pan no dia 7 de julho de 1977, seis dias antes do nascimento da filha, Patrícia, atualmente publicitária, psicóloga e atriz. O outro filho do casal é Rodrigo, nascido em 1980, neurocientista que mora na Austrália. Clara Morena (14), Júlia (13) e Thomas (8 5) são os netos.

O radialista reconhece que a esposa foi fundamental para manter o lar estável durante suas ausências.

“Alguém tinha que cuidar dos filhos, ela foi pai e mãe, eu fazia viagens longas, fiquei 65 dias na Ásia, quando voltei tinha um garotinho correndo no aeroporto, era meu filho, não sabia que estava andando. Ela sempre foi a pessoa mais importante, nunca deixou de falar para os filhos que o pai estava trabalhando, valorizou minha ausência. Os dois cresceram dando importância para mim, era porta-voz da minha dificuldade, dependendo do que ela dissesse poderia ter criado alguma coisa que não seria legal na cabeça das crianças. Sou grato e apaixonado”.

Na Pan, Wanderley chegou como quarto repórter, fazendo o outro lado do jogo.

“Essas entradas na época eram uma inovação, o narrador estava no estádio e eu no ônibus no Anhangabaú. Isso é fácil hoje, quero ver com a tecnologia daquela época. Aí comecei a fazer futebol, reportagens, Copa do Mundo”, diz.

Ele conta que, desde então, fez a cobertura de 3 mil jogos, presenciou todas as Copas do Mundo desde 1978, competições internacionais, entrevistou guerrilheiros do M19 e cobriu a erupção do vulcão Nevada de Ruiz, na Colômbia, o terremoto do México, a morte do presidente eleito Tancredo Neves, Fórmula-1, São Silvestre e narrou durante 30 anos o Carnaval no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Histórias de Copa

Sobre a Copa de 1982, vem à sua memória o clima de velório após a eliminação do Brasil para a Itália. Quando entrevistava Falcão depois jogo, pediu a uma pessoa que assistia para chamar Sócrates. O craque do Corinthians se aproximou e pediu para não falar.

“Relaxa, Magrão, tudo bem”, balbuciou Wanderley. Hoje, ele comenta a cena.

“Veja os personagens envolvidos (Sócrates, Falcão), o acesso. Hoje isso é impensável. Tudo é blindado, treinos fechados, todos têm estafe, não pode entrar em campo para entrevistas, só na zona mista após o jogo e quando entendem ser possível. A entrevista é coletiva, não tem réplica e às vezes com tanta gente não dá para todos perguntarem, em algumas vezes há preferências por tempo, difícil ter entrevista exclusiva e normalmente quando tem é para quem tem os direitos e mesmo assim há dificuldades, pode olhar que não há uma fartura, tudo é muito difícil e os personagens de hoje sabem que é uma comodidade você não prestar contas”, diz.

Wanderley contou sobre a primeira e inédita coletiva do técnico Telê Santana ao vivo. que conseguiu transmitir desde o México na Copa de 1986. Na véspera, procurou de madrugada por um local de onde pudesse retransmitir a entrevista. Encontrou um portão alto, entrou e era uma usina nuclear. Barbudo e cabeludo na época, despertou suspeitas dos militares. Quase foi preso.

Aos poucos, conseguiu convencê-los a permitir que, no dia seguinte, eles recebessem ligação, da redação no Brasil, para o telefone de lá, que ficava em um local possível de ser alcançado pelas ondas do transmissor nas mãos de Wanderley, que estaria na concentração. No dia, ao contar como deu a notícia para os ouvintes, repete hoje, com a mesma entonação suave mas imponente, como se estivesse terminando aquela entrevista novamente.

“Voltamos ao Brasil, alô São Paulo… E pensei, ‘quero saber como foi, não tinha retorno, e se não deu vou me suicidar de vergonha’. O Bento de Oliveira (produtor) parecia estar em Pequim (estava a 2km). Então ele falou, ‘foi do cacete, não teve nem picote’. Respirei aliviado”.

Torcida por personagens

Com apenas quatro horas de sono por dia (“nunca me fez falta mais”), ele se se diz um cinéfilo, passando horas assistindo séries e filmes.

“Aprecio literatura, filosofia, história. Estou sempre lendo. Comecei agora a ler Pablo Neruda, ‘Confesso que Vivi'”.

Wanderley Nogueira na infância (Instagram Wanderley Nogueira)

Futebol é uma paixão desde a infância, quando Wanderley ia ao Pacaembu, com o pai, são-paulino. Também iam a jogos do Santos.

“Torço pelos personagens, adorava quando o Sócrates ia bem, quando o Marcos fazia grandes defesas, quando o Careca marcava gols. Eram amigos, dos muitos que fiz”, diz.

A relação com a Jovem Pan

Na rádio, Wanderley reconhece que, como em uma equipe, um depende do outro.

“Só trabalhei com craque na Jovem Pan, dividi quarto com o Faustão, aí veio um craque chamado José Silvério, ele saiu veio o Nílson (César), de comentarista tinha o Orlando Duarte, Randal Juliano, Cláudio Carsughi, só top, o sincronismo com o Milton Neves. Para mim ficou muito fácil jogar com esses craques, como hoje, a gente se conhece pela respiração, é tudo improviso, não tem um textinho, a entonação e a impressão vocal não enganam ninguém”, conta.

Favorável à mistura de política e futebol, ele não é contra a presença de ex-jogadores como comentaristas. E exalta Tostão como alguém irretocável.

O radialista admite também a guinada à direita que a rádio Jovem Pan deu nos últimos tempos. Mas considera que isso não afetou a tradição e a credibilidade da empresa.

“Olha, tenho 47 anos de Jovem Pan, acho que é uma caminhada longa, em nenhum momento alguém da direção da Jovem Pan chegou para dizer que eu não poderia falar isso ou aquilo. No campo da política, claro, vivemos um momento de efervescência nos últimos tempos. Sem dúvida, claramente a Jovem Pan se posicionou, mas ela abriu o mercado e tem lá os que falam pendendo para um lado ou para o outro”, afirma.

Wanderley prossegue em sua análise.

“Vou dar um exemplo nosso hoje, o (Fábio) Piperno defende o governo atual e trabalha conosco no Esporte, faz um programa diário e fala o que quiser, nunca ninguém falou não pode falar isso. E os outros que entendem o oposto também, e a gente enfrenta, sabe disso, mas tudo isso é fruto, na minha visão, de toda a polarização que existe. Vai passar, porque a emissora é uma emissora séria, que tem tradição, 80 anos, e não caiu de paraquedas. Tem uma história para contar, tem um arquivo em que se encontra lá as vozes do Jânio Quadros, do Monteiro Lobato, do Getúlio Vargas…Tudo aquilo que o Brasil viveu tem o registro sonoro e de informação da Jovem Pan, é uma empresa de tradição”, diz.

Ele completa.

“O sr. Tuta não está no comando hoje, está com idade avançada, os filhos comandam, tem CEO, tem direção. Antes da TV, a festa de Natal que eu apresento há 30 anos, no clube de campo, tinha 300 participantes, entre funcionários, filhos e esposas. Esse ano, foram mil, veja o que dá de emprego entre outras coisas, veja o que está crescendo. As coisas passam, você já viveu muita coisa e eu também, sei que as coisas passam”, diz.

Conselho aos jovens

Do alto do edifício Winston Churchill, na Avenida Paulista, a voz de Wanderley, com o inconfundível sotaque paulistano, ressoa como se abraçasse a cidade onde ele começou a sonhar. Lá é seu outro lar, por causa da magia do rádio, como se diz.

Uma magia que une passado e presente, visita os muros antigos do Brás, atravessa a fronteira da Moóca e segue para muito além de onde alguns trilhos, remanescentes daquela época dos bondes, eram a forma utilizada para desbravar São Paulo.

“Costumo passar hoje por lá, está muito mudado. Do outro lado da rua (onde morou) é a estação Brás do Metrô”.

Hoje, em suas palestras, Wanderley Nogueira fala para os jovens algo que, de outra maneira, brincando com a maluquice do menino, seu tio lhe disse quando começou a trabalhar.

“Garoto, cara, o relógio corre, tem que fazer muita coisa, nada de ficar esperando, pau, pau, você vai curtir, ter história para contar, tomar porrada. Vai ser maravilhoso, contar histórias, todo dia vai conhecer alguém diferente, você vai morrer mas não vai morrer de tédio”.

E de lá de cima do edifício, as palavras de Wanderley se tornam verdadeiras para ele mesmo, espalhando-se pela cidade iluminada, prosseguindo até depois de o vento perder seu fôlego, já nos terrenos escuros da periferia. Sua fala ajuda a preencher vazios, alimentar esperanças. Ele fala para si, mas para todos – e são muitos – que já se familiarizaram com a companhia de sua voz, há mais de 40 anos. Como se a voz dele fosse a voz de um irmão.

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