Ciência e Tecnologia
Contemporâneo de Oppenheimer fala sobre o descobridor da bomba atômica: ‘Era adorado’
Ao E21, físico brasileiro, José Goldemberg, que trabalhou junto com David Bohm, amigo de Oppenheimer, relembra aquela época
Eugenio Goussinsky
A ânsia do físico norte-americano Julius Robert Oppenheimer (1904-1967) em desenvolver a bomba nuclear foi acompanhada de perto por um colega dele que se tornou brasileiro: David Bohm (1917-1992).
Nascido nos Estados Unidos, Bohm veio morar no Brasil em 1951, depois de a Universidade de Princeton não renovar o contrato dele, que se recusara a depor contra Oppenheimer no Comitê de Atividades Antiamericanas.
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Além de Oppenheimer, com quem passou a trabalhar, em física teórica, no Instituto de Tecnologia da Califórnia e depois na Universidade da Califórnia-Berkeley, Bohm também atuou, em Princeton, com Albert Einstein. E, no Brasil, foi colega do físico brasileiro José Goldemberg (27 de maio de 1928), 95 anos, contemporâneo de todos eles.
“Trabalhei em 1952 com o Bohm, que foi assistente do Oppenheimer”, disse Goldemberg ao portal E21. “Era um grande físico, compenetrado, com ideias que iam além das convencionais. Foi professor do Departamento de Física da Universidade de São Paulo (USP), e compartilhamos conversas e interesses como colegas.”
Bohm adquiriu o passaporte brasileiro, em medida de prevenção contra as autoridades norte-americanas, pelas quais se sentia acuado. Antes, ele havia atuado com Oppenheimer também no Laboratório Nacional de Los Alamos.
Bohm não trabalhava em pesquisas que visavam à elaboração de armas nucleares, conta Goldemberg, que, entre 1991 e 1992, foi ministro da Saúde, da Educação e secretário do Meio Ambiente no Brasil.
“A pesquisa de física nuclear para armas e a produção de bomba envolvem isótopos de urânio”, afirma Goldemberg. “Bohm trabalhava com física teórica, para o avanço de pesquisas, mas não esteve envolvido com o desenvolvimento de armas.”
Goldemberg lembra que, na época, Bohm era muito respeitado entre os professores e alunos da USP.
“Ele era uma pessoa de cerca de 50 anos, escreveu um livro importante sobre mecânica quântica muito usado por estudantes”, lembra o físico brasileiro.
“Tínhamos conversas de colega, não entrávamos em questões pessoais. Depois ele foi para Israel, para a Inglaterra e não nos falamos mais.”
Mas muitas das teorias de Bohm deixaram marcas entre os pesquisadores brasileiros, lembra ele.
“O livro de Bohm causou muita repercussão porque explicava muito bem como era a mecânica quântica.”
Já Oppenheimer, contemporâneo de Goldemberg, tinha como objetivo inicial a criação de uma bomba atômica em função da belicosidade ameaçadora do regime nazista.
“Inicialmente ele queria usar as armas nucleares contra os nazistas”, lembra Goldemberg. “E aí a Segunda Guerra acabou e as bombas foram utilizadas no Japão, não sei se ele se arrependeu, mas acabou se convencendo que este tipo de arma é direcionada a genocídios.”
Apesar de terem colegas em comum, como Bohm, Goldemberg não conheceu pessoalmente Oppenheimer.
“Não o conheci pessoalmente, ele esteve no Brasil, mas não nos encontramos.”
Mas, pelo que Goldemberg ouvia falar no meio científico, Oppenheimer tinha uma personalidade que cativava seus interlocutores.
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“Ele era adorado pelos professores e alunos da área, graças a esta admiração que ele pôde ser bem-sucedido em suas pesquisas e implementar seu projeto”, ressalta o físico brasileiro. “Ele era um entusiasmado no inicio, um líder. Para liderar um projeto dessa dimensão precisa ser apaixonado, ele era, depois foi se dando conta das consequências.”
Ao falar do filme Oppenheimer, dirigido por Christopher Nolan e com Cillian Murphy no papel de protagonista, Goldemberg vê muitas passagens verídicas.
“Esse tipo de filme retrata bem a vida do Oppenheimer”, ressalta ele. “No início é um pouco cansativo, depois melhora. O livro que traz a biografia dele é ainda melhor.” A obra a que Goldemberg se refere é Oppenheimer: o triunfo e a tragédia do prometeu americano, vencedora do Pulitzer e escrita por Kai Bird e Martin J. Sherwin.
Perseguições e prejuízos
Já nos anos 1940, Oppenheimer começou a gerar desconfianças dentro do governo dos EUA. Entre 1937 e 1942, em Berkeley, pertenceu ao que definia como um “grupo de discussão”.
Posteriormente, o grupo foi identificado como unidade secreta do Partido Comunista para professores de Berkeley, por colegas, como Haakon Chevalier e Gordon Griffiths. Isto segundo o documento Chevalier para Oppenheimer, de 23 de julho de 1964, dentro dos documentos de Robert Oppenheimer, na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.
“Não tem resposta clara se ele era ou não comunista”, afirma Goldemberg. “O que fica claro é que ele era simpatizante do comunismo, mas, pela biografia dele, ele não era exatamente comunista. Contribuía para norte-americanos que lutaram na Espanha, mas muitos contribuíram, não necessariamente os comunistas.”
O professor brasileiro lembra que a mesma acusação pesava contra Bohm. “Ele também foi acusado e então foi contratado pela USP.”
Nos tempos do macartismo (perseguição a esquerdistas comandada pelo senador Joseph McCarthy), físicos como Oppenheimer e Bohm foram perseguidos.
Esse tipo de interferência política, segundo Goldemberg, prejudica demais as pesquisas. O desenvolvimento científico, com isso, é retardado.
“Claro que essa perseguição acabou prejudicando a pesquisa nos Estados Unidos, veja o que aconteceu na Alemanha, perseguiram cientistas judeus que foram para os Estados Unidos e descobriram a bomba nuclear.”
Goldemberg também se inseriu no rol dos grandes físicos de sua época. Em sua pesquisa sobre elétrons, na Universidade de Stanford, esteve próximo de ganhar o primeiro prêmio Nobel do Brasil, em 1972. Ao olhar para trás, fala com um misto de orgulho, saudade, mas serenidade em relação à sua trajetória. Einstein, para ele, era apenas mais um colega.
“A comunidade de físicos no mundo não é muito grande, sobretudo naquela época”, afirma Goldemberg. “A maioria das pessoas se conheciam, eram colegas, se davam bem, com enorme respeito, porque o Einstein era um dos maiores físicos de todos os tempos, mas eram todos colega. Esse ambiente foi minha vida durante 30, 40 anos.”
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