Ciência e Tecnologia
Unifesp: neurologista analisa estudo do Weizmann
Trabalho mostra como o cérebro reage com muito mais força ao risco de perda do que à possibilidade de ganho
Por Eugenio Goussinsky
Pesquisadores israelenses descobriram como o cérebro reage de forma exagerada ao risco de perder. O mecanismo decifrado pode ajudar a explicar os gatilhos da ansiedade e do transtorno pós-traumático (TEPT). O estudo, liderado por cientistas do Instituto Weizmann de Ciências e do Hospital Ichilov, em Tel Aviv, revelou como certas regiões cerebrais distorcem nossa percepção de risco e reforçam o medo de prejuízos.
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“Esse estudo é inovador de diversas maneiras, ele é inovador pela própria proposta de avaliar comportamento de exploração alternativas novas não conhecidas em situações adversas onde você pode ter perdas conforme sua decisão”, afirma ao Portal E21 o neurologista Daniel Yankelevich, graduado em Medicina pela Universidade Estadual de Londrina e com residência em neurologia pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). (Abaixo, link de Noturno, com Fágner).
Yankelevich é preceptor no Ambulatório de Neurocomportamento da Unifesp e como coordenador de equipe da Neurologia do Dr. Consulta.
Segundo ele, a maioria dos estudos prévios estudou esse tipo de comportamento no contexto de situações artificiais em que a pessoa pode ter ganhos. Outra parte inovadora é o próprio método da pesquisa, com uso de participantes que já iriam realizar monitorização intracraniana de focos epilépticos, mas usar o dado para avaliar respostas neurofisiológicas durante tarefas decisórias.
Quando o cérebro amplia o perigo
A segunda parte da pesquisa, publicada na revista Current Biology, investigou como o cérebro tende a generalizar experiências negativas. Voluntários ouviram sons associados anteriormente a ganhos ou perdas, além de novos tons, semelhantes ou diferentes. Quando os estímulos lembravam os sons ligados à perda, os participantes reagiam como se estivessem diante de uma ameaça real.
Os registros cerebrais mostraram que os neurônios da amígdala (estrutura em forma de amêndoa localizada no lobo temporal) eram ativados intensamente antes que essa resposta ocorresse. Essa hiperatividade fazia com que o cérebro interpretasse novos sons como perigosos, mesmo sem motivo.
As medições intracranianas mostraram que a intensidade dessa atividade neural podia prever quem confundiria um som novo com um conhecido. “O condicionamento negativo pode alterar a própria percepção sensorial, levando alguém a acreditar que ouviu algo diferente do que realmente ocorreu”, diz Paz. “Agora conseguimos observar, com precisão inédita, como a amígdala influencia decisões humanas e compreender melhor o que dá errado em certos transtornos, o que pode abrir caminho para novos tratamentos.”
Outra inovação, conforme constata Yankelevich, é que os implantes intracranianos têm microfios que conseguem captar o sinal de pouquissimos neurônio. Com ajustes computacionais é possível isolar o sinal de disparo de apenas um neurônio isolado.
“Isso em ser humanoé algo incrivel. Já entendíamos que a amigdala além de centro do medo e de resposta aversiva, também estava envolvida em modulação emocional e aprendizado emocional, mas aqui entendemos que ela serve para trazer uma vontade, motivação, de explorar novas decisoes, dando aleatoriedade e dificuldade de previsão nas nossas decisões. E isso acontece principalmente em situações que podem ser ameaçadoras ou aversivas.”
A busca incessante por evitar perdas
Na primeira fase do trabalho, divulgada na Nature, os pesquisadores acompanharam pacientes com epilepsia grave que haviam recebido eletrodos no cérebro para fins clínicos. Aproveitando o procedimento, registraram em tempo real a atividade de neurônios individuais enquanto os voluntários participavam de experimentos que envolviam risco de ganhar ou perder pontos.
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Durante o estudo, sons indicavam se a rodada representava chance de ganho ou de perda. Depois, duas figuras geométricas apareciam na tela, uma associada a maior probabilidade de sucesso, outra, a menor. Com o tempo, os participantes aprendiam quais opções traziam resultados melhores.
Mesmo assim, o comportamento mudava conforme o tipo de teste. “Nas tarefas de perda, as pessoas frequentemente ignoravam a escolha mais vantajosa e insistiam em buscar estratégias que eliminassem totalmente o risco, ainda que isso fosse impossível”, relata a pesquisadora Tamar Reitich-Stolero, do Departamento de Ciências do Cérebro do Weizmann, uma das líderes do estudo. “Já nas tarefas de ganho, mantinham-se fiéis à opção mais segura e raramente arriscavam algo novo.”
O estudo mostrou que, quando há risco de prejuízo, as pessoas seguem tentando novas escolhas e soluções, mesmo que isso aumente as chances de perdas temporárias.
O ruído que alimenta a incerteza
A equipe monitorou centenas de neurônios em diferentes regiões cerebrais e identificou um grupo específico, localizado na amígdala e no córtex temporal, cuja atividade aumentava momentos antes de uma decisão exploratória. Esses sinais indicavam se o participante confiaria na experiência anterior ou tentaria algo novo. (Abaixo, link de Somewhere Only We Know, com Keane).
Curiosamente, o mecanismo era semelhante em situações de ganho e de perda. O que os cientistas descobriram foi que a diferença estava na presença de um “ruído neural” — pequenas variações aleatórias na taxa de disparo dos neurônios. Esse ruído era mais intenso quando o risco envolvia perda, o que aumentava a sensação de incerteza e estimulava a busca por novas estratégias.
Modelos computacionais mostraram que essa instabilidade estava diretamente ligada à percepção de dúvida. “Quando o comportamento exploratório foge do controle, a pessoa pode ficar presa a uma busca incessante por alternativas — uma característica típica dos transtornos de ansiedade”, afirma Reitich-Stolero.
Uma base biológica para o medo de perder
A tendência humana de dar mais peso às perdas do que aos ganhos é um fenômeno conhecido desde a teoria da perspectiva, formulada por Daniel Kahneman, laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 2002. O que este novo estudo acrescenta é a base neural que explica essa assimetria.
Em essência, o cérebro reage com muito mais força ao risco de perder do que à possibilidade de ganhar. Essa sensibilidade exagerada, quando ativada de forma inadequada, pode levar a respostas emocionais desproporcionais, típicas de quem sofre de ansiedade ou TEPT.
O trabalho em conjunto
A pesquisa uniu o conhecimento em neurociência comportamental do Instituto Weizmann à experiência clínica dos especialistas do hospital Ichilov. O projeto foi conduzido pelos professores Rony Paz e Tamar Reitich-Stolero, do Departamento de Ciências do Cérebro do Weizmann, em parceria com o neurocirurgião Ido Strauss e o neurologista Firas Fahoum, ambos do Centro Médico Sourasky.
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“O poder de generalizar é parte essencial da inteligência”, explica o professor Rony Paz, líder do estudo. “Esse mecanismo evoluiu para proteger o ser humano, permitindo que criássemos regras amplas de segurança a partir de experiências passadas. Mas quando ele se torna exagerado, como ocorre no TEPT, qualquer estímulo pode despertar pânico, ansiedade ou depressão.”
Também participaram Dr. Kristoffer C. Aberg, Dean Halperin e Carmel Ariel, do mesmo instituto; Dr. Genela Morris, da Universidade de Tel Aviv; e as médicas Lilach Goldstein e Lottem Bergman, do Ichilov.
Lacunas a serem preenchidas
Segundo Yankelevich, esta pesquisa deixou algumas lacunas a serem preenchidas.
“O estudo focou na região da amigdala e córtex temporal, mas existem outras áreas muito importantes para decisões, como córtex pré-frontal e estriado ventral, cuja relação precisa ser melhor compreendida”, ressaltou o especialista
“O que conseguimos aferir não é uma relação causal, mas uma correlação entre o que vemos de disparos de neurônios e as decisões. Seria importante entender como esse ruído da amigdala para decisões pode ser integrado ao que já conhecemos em doenças como TEPT e ansiedade.”
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