Mundo
Saiba o que levou o primeiro-ministro de Israel a admitir um Estado Palestino na região
Cônsul de Israel em São Paulo diz que qualquer acordo sempre contará com o apoio da maioria da população
– Eugenio Goussinsky
A maior novidade do discurso do primeiro-ministro Yair Lapid na ONU, no último dia 22 de setembro, não foi o fato dele defender a existência de dois estados, Israel e Palestina, na região, como solução para os conflitos locais. A novidade, sim, foi o fato dele dar esta declaração em um momento de tanta polarização no país, que essa ideia conciliadora passa até a impressão de ser inédita.
Após pouco mais de um ano no poder, o governo de coalizão, sob o comando de Lapid deste 1 de julho último, busca um rearranjo para as próximas eleições, já marcadas para novembro. Será o quinto pleito em menos de cinco anos, situação inédita no país.
A tentativa da aliança governamental se dissolveu em junho último, entre outras situações, após o fracasso na tentativa de se chegar a um acordo para renovar uma lei de emergência que mantém um sistema de níveis diferenciados na Cisjordânia, um no qual a lei civil israelense é aplicada aos colonos judeus que vivem nos assentamentos, e outro em que a lei militar é aplicada aos palestinos.
A ideia de Lapid foi relembrar a importância de um acordo com os palestinos, também como uma forma de, além de carimbar sua passagem no governo com tal assinatura, aglutinar apoio dentro do país, para conseguir a maioria no Knesset (Parlamento, com 120 cadeiras) e se manter no poder.
Ele acredita que, com essa premissa, poderá desconstruir o bloco de apoio que está sendo construído pelo Likud, para recolocar Benjamin Netanyahu (primeiro-ministro anterior) no comando do país. Seu pensamento se baseia na história do país: sempre que houve um acordo no sentido de negociar com os palestinos, este era apoiado pela maioria dos israelenses. Voltar a esse tema, portanto, é uma tentativa de Lapid angariar adeptos.
“Certamente, qualquer solução de paz entre Israel e palestinos e também com países árabes foi e continuará sendo aprovada pela maioria da população. Até mesmo em 1977, com a direita no poder, houve o acordo com o Egito e esse foi aprovado pela maioria da população e do Knesset”, afirma o cônsul-geral de Israel em São Paulo e no Sul do Brasil, Rafael Erdreich.
Assunto antigo
A solução de dois estados é um tema recorrente na política israelense. Até mesmo o ex-primeiro-ministro Netanyahu já havia defendido a ideia em 2015. Em 2002, outro conservador radical, Ariel Sharon, então como primeiro-ministro, também se mostrou adepto da tese, sempre realçando, assim como Lapid e qualquer outro governante, a necessidade de Israel ter garantida sua segurança.
A própria formação do Estado de Israel veio após o país aceitar dividir a região com os árabes, aceitando a ideia da partilha da Palestina que, por considerarem que Israel ficaria com uma parte maior da região, foi rejeitada pelos países árabes. Antes, já havia sido proposto o Plano Peel, em que os judeus ficariam com cerca de 20% da região. A ideia não foi adiante mas serviu como um embrião para a proposta da partilha.
“A novidade do discurso de Yair Lapid é que não houve novidade…Quase todos os governos das administrações israelenses admitiram que irá chegar o momento em que esse acordo de paz ocorrerá. Uma das opções é a existência de dois Estados. O problema atual é que não temos com quem negociar neste momento”, afirmou Erdreich, referindo-se à postura da Autoridade Palestina e do Hamas, que têm constantemente criticado as atitudes de Israel em relação aos palestinos.
Em abril e maio de 2021, ações de despejo de famílias palestinas no bairro de Sheikh Jarrah, que fica em Jerusalém Oriental, que contaram com a intervenção da polícia de Israel, foram o foco de mais um conflito intenso.
Em função disso, o grupo Hamas comandou uma série de ataques, lançando mais de 1 mil mísseis e morteiros em Israel, desde a Faixa de Gaza. O Exército Israelense reagiu e pelo menos 150 pessoas, a grande maioria de palestinos, morreram. Foi mais um entre vários conflitos entre as duas partes nos últimos anos.
Para o professor Danilo Porfírio de Castro Vieira, de Relações Internacionais e Direito do UniCEUB (Centro Universitário de Brasília) as declarações de Lapid não deixam de ser expressões de boas intenções, mas também são uma forma de estabelecer um contraponto definido em relação à política até então vigente do primeiro-ministro Netanyahu. E neste fim de mandato, Lapid quer mesmo superar Netanyahu com esse discurso em forma de “última cartada”.
“O governo atual quer ser antagônico a Netanyahu na perspectiva de abolir questões de hostilidade, de um trato ofensivo contra os palestinos e, pelo menos de forma retórica, abrir espaço para diálogo e composição com as forças político-institucionais palestinas”, diz Castro Vieira.
Questão eleitoral
Neste sentido, Lapid luta para que, com essa ideia, o atual governo supere divergências internas, mesmo formado também por forças conservadoras.
“A questão é eleitoral mesmo, de mostrar uma alternativa de ação a um dos principais problemas ainda considerados pelos cidadãos israelenses, os eleitores, que é a questão da segurança nacional, da segurança interna. A situação palestina ainda é sensível aos israelensese e a postura estabelecida pelo governo de Netanyahu foi de uma ação de ofensiva, com uso inclusive da violência e uma mitigação no que se refere ao diálogo com as forças institucionais palestinas, seja da Autoridade Palestina e do Hamas. Era realmente uma situação que estava à margem de qualquer política advinda do ex-primeiro-ministro”, diz Castro Vieira.
Em função desse clima de hostilidade, ainda que com momentos de trégua, a ideia colocada por Lapid é vista com ceticismo pelos palestinos, diz o professor.
“No que se refere à repercussão entre os palestinos, a resposta é simples: ceticismo. Há uma falta de credibilidade na política institucional israelense na resolução da situação palestina aos olhos palestinos. A situação é de ceticismo e de uma expectativa sem grandes esperanças”, observa.
Para Castro Vieira, nem o fato de o Hamas ter diminuído alguns ataques nos últimos meses, deixando maior espaço para ações da Jihad Islâmica, servem para diminuir o clima de desconfiança em relação ao grupo, por parte do governo israelense.
“Não consigo observar, seja pelo governo atual, quanto mais em uma volta de Netanyahu, um diálogo com o Hamas, pelo menos a curto e médio prazo. Israel claramente enxerga o Hamas como um movimento de insurgência de natureza inclusive terrorista, o espaço para o Hamas aqui é mínimo para não dizer inexistente”, diz.
“Um acordo com os palestinos, com base em dois Estados para os dois povos, é a coisa certa para a segurança de Israel, para a economia de Israel e para o futuro de nossos filhos”, afirmou Lapid, para a discordância inclusive de seu antecessor e aliado, Naftali Bennet. Mas, como a história já mostrou, com o apoio popular, o impossível se torna possível.
Anos atrás, afinal, ninguém nunca imaginaria um aperto de mão entre o ex-líder palestino Yasser Arafat (antes visto como um radical nos moldes do Hamas) e Itzhak Rabin e Shimon Peres, líderes que marcaram época em Israel e que passaram a entender que a segurança está sempre ameaçada quando o clima é de guerra.
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