Ciência e Tecnologia
Unicamp: ‘Preservar mananciais é o que garante sustentabilidade’, diz professor
Em entrevista ao Portal E21, Antonio Carlos Zuffo afirma que desenvolver equipamentos para extrair água do ar é importante, mas eles não substituem a necessidade de tratamento de efluentes
Eugenio Goussinsky
A escassez de água é um desafio crescente em muitas regiões do mundo. Isto leva à exploração de soluções inovadoras. Os sistemas de extração de água do ar, que capturam a umidade presente no ambiente, surgem como uma alternativa promissora, especialmente em áreas áridas.
Nesta entrevista ao Portal E21, o professor Antonio Carlos Zuffo professor titular de Hidrologia e Gestão de Recursos Hídricos da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Campinas (Unicamp), analisa o funcionamento desses sistemas, suas aplicações e desafios, além de analisar o impacto que podem ter na mitigação da crise hídrica.
Uma coisa é certa. A preservação ambiental continua sendo necessária. A água captada no ar é uma projeção do meio ambiente e reflete a interação dos rios, mares, vegetações dentro do ecossistema. Confira.
Portal E21 – De que maneira os sistemas de extração de água do ar têm contribuído para reduzir a ameaça de falta de água em diversos países?
Antonio Zuffo – Esses sistemas têm sido especialmente úteis em pequenas comunidades isoladas, predominantemente em regiões áridas ou semiáridas. Eles funcionam através da refrigeração para condensar o vapor de água presente no ar, semelhante ao que ocorre quando uma garrafa de cerveja gelada fica “suada” ao ser colocada em uma mesa.
Quais tipos de tecnologia estão sendo utilizados nesses sistemas de extração de água do ar?
Um exemplo é o uso de redes de malha fina que retêm a umidade do ar, capturando até alguns litros de água por dia.
O exército israelense, por exemplo, utiliza essa tecnologia em tendas no deserto, onde conseguem extrair de 2 a 3 litros de água por tenda ao longo do dia. Esse volume pode não ser muito, mas é suficiente para matar a sede de uma pessoa, reduzindo a quantidade de água que precisa ser transportada para áreas áridas.
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Quais são as principais aplicações desses sistemas de extração de água?
As aplicações variam desde o fornecimento de água para consumo humano em pequenas comunidades até usos mais específicos, como a dessedentação de animais. Em áreas com baixa densidade populacional, esses sistemas podem atender às necessidades básicas de água de forma sustentável. Contudo, em áreas urbanizadas, onde o consumo é alto, a capacidade de produção pode ser limitada.
Esses sistemas podem substituir ou compensar a diminuição dos recursos hídricos de rios e oceanos?
Na verdade, a natureza já realiza esse processo de evaporação e condensação em uma escala grandiosa. Essas tecnologias apenas reproduzem esses fenômenos naturais em uma microescala. Para que esse processo artificial pudesse impactar as vazões dos rios, seriam necessárias magnitudes gigantescas, o que é inviável. Essas tecnologias são, portanto, mais aplicáveis em regiões secas ou onde há problemas de qualidade da água do entorno. Porém, não substituem a necessidade de tratamento de efluentes para a recuperação da qualidade dos recursos hídricos superficiais.
A Universidade Technion, em Israel, lançou um sistema de extração de água do ar que opera em condições de baixa umidade, como no deserto de Neguev. Como o senhor avalia esse tipo de inovação para o combate à falta de água?
Embora eu não conheça a fundo essa tecnologia, percebo que ela é inovadora, pois é mais eficiente e não depende do resfriamento do ar para extrair a água do vapor. Segundo o que li, esse sistema da Technion consegue aumentar a quantidade de água extraída por metro cúbico de ar, o que é promissor para pequenos agrupamentos isolados, como vilas, ilhas e áreas semiáridas. Em comunidades com pouca densidade, ele pode até fornecer água de qualidade para consumo humano e para animais.
Como este fenômeno de extração de água pode ser visto em nosso cotidiano?
Um exemplo cotidiano é quando descemos a serra em direção ao litoral e nos deparamos com a neblina — uma “nuvem baixa” que condensa naturalmente nos vidros dos carros. Esse fenômeno ocorre nas encostas das serras, onde a umidade da neblina condensa em superfícies como pedras, caules e folhas, formando orvalho. Esse processo também é conhecido como “Cumbica” em tupi, e explica a alta pluviometria de cidades litorâneas, como no litoral de São Paulo, devido à barreira orográfica, que força a ascensão e a condensação das massas de ar.
Existe outra forma de extrair água das nuvens além da condensação natural?
Sim, outra técnica conhecida é o bombardeamento de nuvens. Esse método consiste em lançar uma solução de água e sal em nuvens quentes (com temperatura acima de 5°C) ou substâncias como iodeto de prata ou gelo seco em nuvens frias. Isso estimula a condensação e gera chuva. Contudo, essa prática ainda é pontual e depende de condições atmosféricas específicas para ser efetiva.
Leia mais: Technion: tecnologia extrai água do ar em comunidade beduína no deserto
Quais são os principais desafios para a ampliação do uso desses sistemas em larga escala, em especial em áreas urbanizadas?
A maior dificuldade para aplicação urbana está na quantidade de água que esses sistemas conseguem produzir. Em regiões urbanas, onde o consumo diário é alto, o volume produzido por esses sistemas seria insuficiente. Eles são mais adequados para áreas isoladas com baixa densidade populacional e necessidades hídricas menores. Para uso em cidades, a demanda é bem maior, e esses sistemas não conseguem suprir, por enquanto, o consumo diário elevado que temos nas grandes metrópoles.
Considerando os desafios hídricos globais, como o senhor vê o papel dessas tecnologias no futuro?
Essas tecnologias oferecem uma solução prática e viável para pequenos agrupamentos isolados e comunidades que enfrentam problemas de escassez e de transporte de água. No entanto, elas ainda são uma parte pequena da resposta à crise hídrica global. É importante que haja também uma forte política de preservação e recuperação de recursos hídricos naturais, além do tratamento adequado de efluentes. Em regiões semiáridas, como o Nordeste do Brasil, esse tipo de inovação pode, sim, ser um complemento importante, mas ainda temos que contar com métodos tradicionais de captação e com políticas de preservação de mananciais para garantir a sustentabilidade hídrica no longo prazo.
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