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Por que Israel tem se tornado um país dominado pela direita
Especialistas destrincharam o atual cenário político do país para o portal E21; professor destaca a importância de um novo modelo de negociação (Newgotiation) para dar fim ao conflito entre Israel e palestinos
Por Eugenio Goussinsky
Por mais que Israel aparentasse estar amplamente dividido, as cinco últimas eleições, nos últimos quatro anos, apontaram para uma tendência de o país estar sendo dominado por forças de direita. (Crédito da foto: Avi Ohion).
Isso porque, tirando a quarta eleição, que levou a uma inédita coalizão de partidos de todos os espectros, para combater a liderança do direitista Benjamin Netanyahu, o fato é que, passado pouco mais de um ano, a frágil tentativa logo se desfez, com a aliança se desmantelando e provocando novas eleições, que, desta vez, desde novembro último, parecem firmar Netanyahu por causa de sua aliança com partidos ultraortodoxos.
Vários motivos levaram Israel a assistir, nos últimos anos, o predomínio da ala conservadora, algumas vezes radical, no governo. O principal deles decorre da ideia de que essas forças são as únicas que podem garantir a segurança do país.
O crescimento desta visão política também teve influência na elaboração de uma nova legislação, ainda a ser votada no Parlamento, que enfraquece o Judiciário e originou, desde os últimos seis meses, protestos de setores progressistas e pressão internacional contra a aprovação da lei.
O portal E21, no entanto, resolveu destrinchar esse discurso que tem prevalecido após alianças com setores ultra-religiosos e procurou a opinião de especialistas no tema.
Para Yann Duzert, entre outros professor associado na Rennes School of Business, a predominância da direita tem relação com a sensação de segurança e com o aumento do antissemitismo, inclusive na Europa, também em função de uma imigração islâmica, que provocou a imigração de muitos judeus para Israel, em busca de proteção.
Para ele, porém, haverá maior espaço para a alternância no poder a partir do momento em que todas partes envolvidas encontrem uma solução para a questão palestina.
O impasse mantém em Israel um permanente estado de alerta, independentemente da força que governa o país.
Duzert considera que os governos israelenses sempre tentaram se manter mais próximos do centro, mas, mais recentemente, a direita se aliou aos ultraortodoxos para governar porque, segundo ele, tem ficado cada vez mais difícil conseguir uma maioria clara no Knesset (Paralmento).
Ele considera, no entanto, que a resolução do conflito passa por um método que ele criou e tem defendido: a Newgotiation, uma forma de negociação em que todas as partes dialogam de maneira transparente e amadurecida, procurando entender os interesses do outro lado, para a constituição de um Estado Palestino.
“Neste momento, em ambos os lados, há uma falta de governança colaborativa, de confiança. Para se chegar a um consenso, é preciso utilizar o que chamo de Newgotiation, uma nova forma de negociação, sem que haja conflito de interesses. De ambos os lados, é preciso lutar contra a corrupção. é necessário haver governanças cooperativas, transparências nos processos, na participação de empresas, e o alinhamento de identidades e experiências, como ocorreu, por exemplo, na resolução dos conflitos históricos entre a França e a Alemanha, sem imposição de poder e com benefícios mútuos, que transformaram o ódio em reconciliação e convivência pacífica”, afirma.
Na tentativa de alinhar algumas ideias, o portal E21, obteve o depoimento de dois especialistas em política israelense, Renato Bekerman, representante do partido Meretz (centro-esquerda) no Brasil e André Lajst, diretor executivo da StandWithUs Brasil. Veja a seguir os depoimentos de ambos, colocados em ordem alfabética recomendada pela ABNT, em que vale a inicial do sobrenome do autor, entre outros quesitos. Eles responderam às mesmas questões.
RENATO BEKERMAN
Portal E21 – O que levou Israel a se tornar um país dominado pela direita nos últimos anos?
Renato Bekerman – Nas últimas eleições tivemos praticamente um empate em número de votos apurados entre os dois blocos, mas o sistema eleitoral israelense outorgou uma vitória de 64 deputados da direita contra 56 do bloco centro esquerda. O crescimento de partidos ultraortodoxos e principalmente de uma extrema-direita supremacista judaica podem ser indicativos de uma onda direitista extremista.
E21 – De que maneira a direita tem conseguido se manter no poder no país? Quais estratégias e situações têm sido determinantes para isso?
RB – A direita tem um apego ao discurso de segurança nacional, explora muito bem o histórico sentimento judaico de exclusão, antissemitismo e tenta sabotar as negociações de paz para incrementar a colonização judaica dos territórios ocupados da Cisjordânia (Judeia e Samária).
Netanyahu trabalha muito bem a sensação de ameaça nuclear iraniana. Esse é o melhor cenário para a direita na sociedade israelense, onde os inimigos de Israel ameaçando sua sobrevivência, teriam como resposta um governo que dá a sensação de uma “falsa força “.
E21 – Até que ponto essa predominância tem relação com a figura de Netanyahu? Sem ele haveria essa predominância?
RB – Netanyahu é um líder carismático e conseguiu aglutinar ao seu redor os antigos direitistas do Likud, os partidos ultrarreligiosos que precisam da subvenção estatal para manutenção de suas comunidades, rede de ensino, isenção do serviço militar de três anos, leis religiosas coibindo o trabalho aos sábados e controle das regras alimentares judaicas Bibi, como é chamado pelo público israelense, mistura um chauvinismo nacionalista do sonho de um Israel bíblico com seu oportunismo político, inclusive sendo no momento investigado criminalmente pela Justiça.
Dificilmente outro líder direitista conseguiria essa proeza de aglutinação.
E21 – Os trabalhistas (mais de esquerda) foram determinantes, se não os maiores responsáveis, pela implantação do Estado de Israel e pela segurança do país, vencendo inclusive quatro guerras. Por que nos últimos anos os correligionários de direita consideram que apenas a direita conseguirá garantir um clima de maior segurança em Israel? O que mudou?
RB – Após o assassinato do antigo primeiro-ministro Yitzhak Rabin, por um direitista extremista religioso, tudo mudou. A centro-esquerda carece de uma liderança histórica como Rabin e seu discurso pela paz com dois Estados para dois povos acabou sendo desmantelado pelos extremistas israelenses e palestinos. O conflito adquiriu nuances de uma guerra religiosa ao invés de um conflito político.
A falsa segurança de Netanyahu deu lugar ao desmanche da Autoridade Palestina e com isso alimentou os grupos radicais islâmicos. Os atentados em sequência foram minando a frágil coexistência entre israelenses e palestinos, construída no governo Rabin através dos Acordos de Oslo. A falta de uma via negociada abalou o discurso da centro-esquerda e fortaleceu o campo direitista com o seu discurso de força. Podemos dizer que os extremistas de ambos os lados estão conseguindo levar as sociedades palestina e israelense a cada vez mais se afastarem de uma solução negociada. São parceiros da guerra e inimigos da paz .
E21 – A democracia israelense, baseada na pluralidade, corre algum risco com a manutenção do poder nas mãos de uma visão política mais conservadora, muitas vezes vinculada a grupos religiosos radicais? Qual tipo de risco?
RB – A democracia israelense está sendo claramente ameaçada. Netanyahu formou o governo mais extremista que o Estado de Israel teve nesses quase 75 anos de existência. Um governo com a participação de um partido chamado Otzma Hayehudit (Poder Judaico) notoriamente racista contra os árabes e supremacista judaico , em que sua liderança apoiou o assassinato de Rabin.
Netanyahu tem no seu ministério do Interior e da Segurança Interna representantes desse partido. A luta do atual governo atacando o judiciário e tentando quebrar sua autonomia, aliás muito semelhante com oque assistimos no Brasil, é toda para preservar o atual primeiro-ministro Netanyahu e barrar as investigações e ações na Suprema Corte. Além disso, temos a coerção religiosa com suas leis e proibições, que ameaça a população não religiosa que representa 80% da população israelense.
ANDRÉ LAJST
Portal E21 – O que levou Israel a se tornar um país dominado pela direita nos últimos anos?
André Lajst – Existe uma tendência do país de votar em relação à segurança do país. A primeira Intifada em 1987 fez a esquerda ganhar poder porque a direita viu que domínio de territórios por causa da segurança não traz necessariamente paz. E a centro-esquerda veio e tentou fazer processo de paz com os palestinos em 1994 criando a ANP (Autoridade Nacional Palestina), saindo de territórios, cedendo espaço, permitindo que as forças palestinas pudessem se armar e treinar soldados. E isso não necessariamente levou a um acordo de paz final e definitivo, tanto que existiram vários atendados nas décadas de 90.
E nos anos 2000, quando a esquerda estava no poder, veio o processo de paz em Camp David com o ex-primeiro ministro Ehud Barak e o líder palestino Yasser Arafat. Israel ofereceu quase tudo o que eles pediam e não houve uma resposta.
Começou a segunda Intifada, que era uma coisa muito mais orquestrada e planejada, até mesmo com a ANP fazendo vistas grossas para alguns atentados que mataram 1,5 mil israelenses
Isso foi uma grande prova de que o processos de paz não trazem paz. O número de israelenses mortos equivale a 16 vezes 11 de setembro proporcionalmente para a população de Israel naquela época. Então a população israelense em geral, até mesmo as pessoas mais progressistas em valores e costumes, entendeu que em relação à segurança não pode haver muita negociação.
Israel tem que continuar mantendo o controle sobre uma série de questões para manter o país seguro, para judeus e não judeus que moram no país, isso inclui também árabes, muçulmanos, cristãos, drusos, beduínos.
Não é que o país está sendo dominado pela direita mas também o fato de que a própria esquerda israelense se diluiu por uma posição de centro pragmática relacionada às questões de segurança.
E21 – De que maneira a direita tem conseguido se manter no poder no país? Quais estratégias e situações têm sido determinantes para isso?
AL – Na verdade a maior parte de Israel em geral é mais conservadora e cética no que diz respeito à segurança em relação ao processo de paz, de ceder território em troca de um acordo. Como não há um interlocutor do outro lado disposto a conversar com Israel, esse tema segurança acabou sendo dominado por todos os partidos praticamente, realmente quase nenhum partido do espectro político de centro-esquerda, esquerda, de centro-direita em Israel acredita que há uma possibilidade de paz no horizonte, uma vez que o Hamas controla Gaza e a ANP na Cisjordânia é controlada por um governo que não tem eleições há 11 anos.
Os israelenses votam muito mais ligados a essa questão de segurança e de não ceder territórios para aqueles que eventualmente podem usar esses territórios para atacar os israelenses. Isso não é uma questão estratégica, é uma questão de fatos. Daí existe a política interna israelense as questões sociais, econômicas.
E21 – Até que ponto essa predominância tem relação com a figura de Netanyahu? Sem ele haveria essa predominância?
AL – Netanyahu como primeiro-ministro fez o país ficar muito mais próspero economicamente dos anos 2000 para cá. Ele acaba tendo muita experiência e cria uma imagem muito forte, em que sua imagem é predominante. Mas não estando mais no futuro, nos próximos cinco a dez anos na vida pública, o governo mais natural dentro de Israel continuará sendo um governo de centro-direita no que diz respeito à segurança e processo de paz.
E21 – Os trabalhistas (mais de esquerda) foram determinantes, se não os maiores responsáveis, pela implantação do Estado de Israel e pela segurança do país, vencendo inclusive quatro guerras. Por que nos últimos anos os correligionários de direita consideram que apenas a direita conseguirá garantir um clima de maior segurança em Israel? O que mudou?
AL – Israel mudou, assim com a esquerda israelense mudou, a direita também mudou. Várias mudanças ao longo das últimas décadas fizeram com que toda a visão da esquerda israelense nas décadas de 60 e 70 seja diferente hoje. A esquerda israelense que era muito mais voltada para um sistema social-democrata, com o Estado muito mais forte e, no que diz respeito também ao processo de paz, acabou entendendo que não há um processo de paz sem um interlocutor.
Então eles foram muito mais para um campo de costumes dentro de Israel para questões relacionadas à distribuição de renda e tudo mais, enquanto a direita israelense, que também tinha uma visão relacionada a manter compromissos de territórios, foi para uma questão relacionada à segurança do páis e patriotismo e tudo mais.
Houve várias coisas que mudaram, inclusive isso. Acredito ainda que a paz no Egito, que foi feita pela direita israelense (1977), e o processo de paz que falhou entre palestinos e israelenses, enquanto a esquerda estava no poder, fez com que a direita israelense começasse a usar a questão da segurança a seu favor.
Ao mesmo tempo, na prática, a segurança de Israel funcionaria sendo esquerda ou direita, no dia a dia. Acontece que a esquerda israelense se aventurou em tentar fazer processos de paz que não deram certo e a direita não se aventurou. Quando a direita realmente avançou em relação aos palestinos ela parou antes porque viu que não ia dar certo.
E21 – A democracia israelense, baseada na pluralidade, corre algum risco com a manutenção do poder nas mãos de uma visão política mais conservadora, muitas vezes vinculada a grupos religiosos radicais? Qual tipo de risco?
AL – A democracia israelense está totalmente calcada nas leis básicas e também na Declaração da Independência de Israel, que invoca a Igualdade, Fraternidade e Liberdade das pessoas independente de sexo, cor, religião e etnia.
Claro, existe sempre aquele medo quando existem setores mais fortes que querem impor visões específicas de lado a lado.
Não acredito que a política israelense atual, que está mais barulhenta, pode colocar a democracia israelense em risco, mas há questões, claro, como qualquer democracia é imperfeita, que precisam ser vistas, revistas por todos os poderes, todas as partes e lideranças da região. Nós esperamos que se chegue a um consenso para que Israel continue sempre sendo esse país baseado na pluralidade entre as pessoas e na liberdade dos seus cidadãos.
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