Mundo
Israel e Arábia Saudita mantêm aliança informal, apesar do Irã
Reaproximação dos sauditas com o Irã tem mostrado ser mais um alerta aos Estados Unidos do que um ato hostil a Israel
Por Eugenio Goussinsky
A retomada das relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita no Oriente Médio, em 10 de março útlimo, é vista por Israel como um ato de distensão na Guerra Fria que ambos protagonizam. (Na foto, de Kobi Gideon, Netanyahu se reúne com gabinete de segurança, sem janeiro de 2023).
Muitos consideraram a reaproximação de ambos, que haviam rompido relações em 2016, uma ameaça a Israel, que, informalmente, tem se aproximado nos últimos anos da Arábia Saudita por questões estratégicas e comerciais. Ambos, afinal, têm no Irã uma ameaça constante e um rival em comum. O Irã tem maioria xiita.
O país sofre sanções do Ocidente, acusado de desenvolver energia atômica direcionada a armas nucleares, algo que nega. Por outro lado, o governo iraniano não nega que busca a hegemonia na região, configurando-se uma ameaça para a Arábia. Em relação a Israel e aos Estados Unidos, a partir de 1979, com a Revolução Islâmica, o Irã dos aiatolás passou a ver ambos como seus principais inimigos, por questões religiosas, políticas e ideológicas.
Israel acredita que, mesmo voltando a ter laços com o Irã, maior inimigo do país judaico, a Arábia Saudita não deixará de se resguardar em relação ao governo iraniano. Para Israel, a princípio, a Guerra Fria entre iranianos e sauditas continua.
Os dois países continuam a ter diferenças políticas, culturais e étnicas que os mantêm como rivais em uma luta pela hegemonia e poder na região, uma das mais abundantes em petróleo no planeta.
O que mudou neste momento foi a inclusão da China, arquiteta do novo acordo, e da Rússia, com seu status de potência antagônica ao Ocidente, como mediadores de conflitos na região. Até então, inclusive nos tempos da Guerra Fria, os Estados Unidos concentravam o maior grau de influência na geopolítica local, principalmente em relação à Arábia Saudita. Nos últimos anos, a China, cujo crescimento econômico e militar o alçou ao patamar de potência mundial, passou a competir com os Estados Unidos pela influência em várias regiões, como o estratégico Oriente Médio.
“A questão mais importante nesse episódio de reaproximação com o Irã, é que a Arábia Saudita quer manter abertos todos os canais possíveis para seus interesses na região, tanto com os Estados Unidos quanto com a China e a Rússia”, afirma Sarit Zehavi, CEO e fundadora da Alma – uma organização sem fins lucrativos e um centro independente de pesquisa e educação especializado nos desafios de segurança de Israel em sua fronteira norte, onde há uma vigilância constante em relação a ações do grupo terrorista Hezbollah, ligado ao Irã. As informações da Alma muitas vezes são utilizadas pelo exército israelense.
Alerta para os Estados Unidos
A questão econômica, principalmente ligada à exportação de petróleo, é o que mais pesou. A Arábia Saudita, antes a maior produtora mundial de petróleo, perdeu essa condição justamente para os Estados Unidos, cujo objetivo é a autossuficiência em relação a esse combustível fóssil. Dados da Statistical Review of World Energy e do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo) mostram que, em 2020, os Estados Unidos produziam 16.476.000 de barris por dia, concentrando 18,5% da produção mundial de petróleo. A Arábia Saudita, que por anos foi a primeira, já ocupava o segundo lugar, com 11.039.000 milhões de barris por dia, ou 12,5% da produção no mundo.
O governo saudita, com isso, passou a ficar incomodado pelo fato de os Estados Unidos terem reduzido as importações de petróleo. E aproveitou o fato de a China ser atualmente o maior importador de recursos energéticos do Oriente Médio para se aproximar politicamente de Pequim. Neste sentido, a aproximação com o Irã, que, por ser antagonista dos Estados Unidos, se tornou mais aberto à China, é mais um recado para o governo americano do que para Israel.
“Primeiramente, a Arábia quis dar uma trégua com o Irã, já que esse conflito acaba sendo um desgaste a mais. Em segundo, quis dar um alerta para os americanos, porque a Arábia está frustrada. A mensagem que a Arábia está passando aos Estados Unidos é a de que existe uma alternativa. Não é possível dizer no momento se esse acordo vai trazer mudanças ao acordo informal que Israel tem com a Arábia Saudita”, observou Zehavi.
Para o professor de relações internacionais do Ibmec, Vladimir Feijó, o desenvolvimento tecnológico israelense também contribuiu para os interesses sauditas em Israel.
“A posição oficial dos sauditas é em favor das causas árabe e palestina. Porém, desde 2005, com a ascensão de Israel à OMC (Organização Mundial de Comércio), há promessas de fim aos embargos a produtos israelenses na Arábia Saudita. Além disso, houve uma mudança da postura de Israel, que reforçou laços com os vizinhos, se dispondo a compartilhar tecnologias e cooperar em temas de desenvolvimento humanos em troca de reconhecimento formal e redução de chance de futuras guerras”, diz.
Nem por isso, o governo israelense deixa de estar atento às movimentações iranianas e à postura da Arábia Saudita a partir dessa reaproximação. Mas tem partido do princípio que o governo saudita não modificará sua postura em relação a Israel.
Ao longo do tempo
Para a Arábia Saudita, manter uma atitude aberta a Israel é uma maneira de limitar as ações do Irã na região. A relação entre iranianos e sauditas, conforme destaca estudo da especialista Luíza Gimenez Cerioli, na UnB, passou por oscilações ao longo dos anos e, por muito tempo, ambos se mantiveram do mesmo lado de Israel, em relação à geopolítica do Oriente Médio.
Isso ocorreu entre os anos 1950 a 1979, quando iranianos, sauditas e israelenses mantinham um alinhamento aos EUA. A partir de 1979, com a Revolução Islâmica no Irã, até os anos 1990, os sauditas se distanciaram do Irã, principalmente motivados pelo radicalismo xiita que ameaçava interesses sunitas, que prevalecem na Arábia Saudita.
Com a primeira Guerra do Golfo (1990 a 1991), após ter apoiado o Iraque na guerra contra o Irã (1980-1988), houve uma espécie de trégua nas hostilidades. Foi um momento, entre 1990 e 2003, em que a Arábia Saudita viu em Saddam Hussein, ditador do Iraque, uma ameaça aos seus interesses. A partir da morte de Saddam, em 2003, capturado pelos Estados Unidos após o 11 de setembro, as hostilidades entre iranianos e sauditas voltaram a crescer.
Conforme afirma Feijó, nos últimos anos, as alianças na região se dão em função de “guerras por procuração”, como a que ocorre no Iêmen, com o Irã apoiando os rebeldes houthis e a Arábia, o governo.
Esses interesses é que movimentam alianças silenciosas como a de Israel e sauditas. E que se mantêm mesmo quando outros temas se intercalam em determinado momento. Nas circunstâncias atuais, os conflitos causados pela rivalidade com o Irã têm sido desgastantes para os sauditas.
“A principal razão de reaproximação com o Irã é a vontade dos sauditas de estabilização de sua fronteira com desdobramentos para segurança de extração e transporte de hidrocarbonetos. O apoio iraniano aos rebeldes houthis no Iêmen causa instabilidade no sul da península arábica. Os sauditas também pressionam para que o Qatar tome um distanciamento político-diplomático do Irã, algo complicado porque o controle iraniano do estreito de Ormuz o faz controlar a passagem dos fluxos comerciais do Qatar e também do Iraque, Kuwait, Emirados Árabes e Bahrein”, completa.
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