Colunistas
Chico Buarque se inspirou em Jorge Amado para compor A Banda? Entenda
Em um livro, escritor descreve um momento que talvez tenha motivado o compositor, de forma criativa, a querer transformá-lo em canção
Eugenio Goussinsky
Em 2008, Chico Buarque e Caetano Veloso participaram da noite de lançamento da reedição da obra completa de Jorge Amado, em São Paulo. Mil pessoas se aglomeravam não para vê-los cantar, mas ler trechos da obra do escritor baiano.
Buarque, que completou 80 anos no dia 19, leu por cerca de 10 minutos um trecho final de Dona Flor e Seus Dois Maridos, cuja obra se transformou em filme, para o qual ele compôs, em 1976, a música O que será.
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Na ocasião, com uma roupa bem informal, ele disse que tinha dificuldades de lembrar como conheceu Jorge Amado, a quem chamou de “queridíssimo”. “Fiz um esforço para lembrar (como o conheci), me parece daquelas pessoas que a gente já conhece desde sempre.”
Toda essa ligação do cantor e compositor (que também é escritor) com o escritor baiano levanta a possibilidade grande de obras de Amado terem inspirado Buarque em suas composições.
Uma delas é a que o lançou à celebridade, A Banda, composta em 1966. A canção venceu o 2º Festival de Música Popular Brasileira daquele ano. A doçura da marchinha e o idílico trecho inicial com “Estava à toa na vida…”, soou naquele tempo como uma manifestação do encanto e do desencanto da vida.
É aí que o escritor baiano pode ter inspirado Buarque. No livro Agonia da Noite, Amado relata a luta de sindicalistas por melhores condições de trabalho, diante de um sistema injusto e de uma polícia opressora. O conflito ganha tons dramáticos quando um dos manifestantes, em greve na cidade de Santos, foi morto depois de ação de policiais.
No enterro dele, Amado descreve um momento que talvez tenha motivado Buarque a querer transformá-lo em canção.
“Por volta de cinco horas da tarde, o cortejo despontou na entrada da praça…Uma grande massa acompanhava o corpo, as cabeças descobertas, os rostos graves. Ao entrar na praça, o caixão era conduzido por Oswaldo e Aristides, por representantes de operários das indústrias locais e pelo irmão do morto. Sobre o caixão estendia-se uma bandeira brasileira.”
A cena semelhante
Então, Amado descreve uma cena que remete a uma melodia conhecida. Caso tenha havido a inspiração, isso não significa plágio ou cópia. Buarque, afinal, teria criado uma outra obra, como se tivesse modificado uma história a partir de um ponto, o que faz parte do ofício do artista.
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“O motorneiro de um bonde em marcha parou o seu veículo, sacou o boné da cabeça, os passageiros debruçaram-se para ver. A gente que transitava por ali imobilizou-se nas calçadas, tirando os chapéus. Uma velha, que levava uma cesta com verduras, fez o ‘pelo-sinal’ e começou a murmurar uma oração pelo descanso daquele defunto.”
Na música, porém, o compositor trocou o luto por um momento de leveza. A “gente” não deixava de, como os operários, ser sofrida. Mas, por um momento pelo menos, despediu-se da dor.
Ao contrário da multidão e dos familiares do operário, que carregariam para sempre aquele dia como um peso. E não como um instante encantador nesta marcha da vida. O cortejo fúnebre foi trocado por uma banda. A agonia deu lugar à esperança, que, mesmo fugidia, cantava coisas de amor.
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