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O Botafogo e as veias abertas da América Latina

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Botafogo Igor Jesus futebol
Botafogo. de Igor Jesus, vai a Montevidéu para o jogo de volta I Foto: Reprodução/site Botafogo
Eugenio Goussinsky

Há momentos em que o futebol deixa de ser apenas um jogo e se transforma num espelho. Revela as sombras de uma sociedade em declínio. Não foi diferente com a visita dos torcedores do Peñarol ao Brasil. Sob o pretexto de paixão pelo clube, eles mostraram que o retrocesso civilizatório está presente nas fronteiras da América Latina, onde países como Equador, Colômbia e México vivem submersos em índices assustadores de violência. Como um veneno que lentamente polui a alma, parte desta sociedade parece cada vez mais intoxicada.

Já no confronto anterior contra o Flamengo, a postura dos torcedores uruguaios revelava que o jogo era apenas o palco de uma peça mais sombria. Com lágrimas nos olhos e gritos histéricos, seus dirigentes comemoravam aos urros uma classificação. Mas deixaram claro que não era só futebol.

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Aquelas comemorações desmedidas, que ultrapassaram os limites do aceitável, foram tratadas por alguns como demonstração de amor ao clube. Mas a verdade é que ali se confundia amor com ódio, eufemismo com violência.

O futebol, como sabemos, é feito de ilusões grandiosas. Cada torcedor, um cidadão em busca de alívio para suas frustrações cotidianas, encontra no clube uma razão para celebrar, para se sentir parte de algo maior. E, naquele dia, nem vitória houve.

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Era apenas uma classificação, uma passagem para a próxima fase, mas a vibração desmedida ecoou como se tivessem erguido uma taça. Na verdade, o que se erguia ali era um aviso subliminar e intimidatório ao Botafogo. “Vejam como somos guerreiros, furiosos, invencíveis”, pareciam dizer, em uma exibição maquiavélica de poder.

Mas, como tantas vezes acontece, o autoengano logo revelou sua face mais brutal. Já no Rio de Janeiro, os mesmos torcedores transformaram a cidade em um campo de batalha. Roubaram um celular e, quando flagrados, responderam com destruição: quiosques incendiados, veículos depredados, banhistas aterrorizados.

Pareciam acreditar que tudo era permitido, que a violência poderia ser justificada pelo amor ao clube, uma falsa identidade construída sobre a sombra de uma paixão desvirtuada. Pais de família com pedaços de pau na mão, regredindo à idade da pedra.

Em campo, os jogadores seguiram o mesmo roteiro: confundiram coragem com covardia. Provocaram, esquecendo que ali estavam para jogar futebol. Pareciam, no entanto, jogar um outro esporte: rugbi, luta livre, sei lá o que mais.

Mas o Botafogo, com a serenidade de quem entende que a melhor reação à violência é a inteligência, deu a resposta. Assim como na vida, é a calma diante do caos que deve prevalecer.

E o time carioca, de tradição ainda maior do que a do adversário, com nomes como Garrincha e Nilton Santos em sua história, deu uma verdadeira aula de futebol. Venceu por 5 a 0 o primeiro jogo das semifinais de Libertadores.

Lembrou o dia em que, em um partida entre Botafogo e River Plate, no México, o lateral-esquerdo Vairo, um dos maiores da Argentina, saiu gesticulando ao ser substituído, admitindo que não havia como parar Garrincha, de quem levara um baile.

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Quando o placar final brilhou no estádio Nilton Santos, os uruguaios já não eram mais os bárbaros furiosos que haviam chegado ao Brasil. Desnorteados pela goleada, pareciam murchar, desfeitos em campo, como um eco distante das veias abertas da América Latina, descritas por Eduardo Galeano.

O escritor, apaixonado pelo futebol, sempre exaltou os tempos gloriosos do Uruguai, com Nassazi, Scarone, Obdulio Varela e Ghiggia. Mas, se vivo estivesse, talvez sentisse vergonha ao ver em que se transformara o time que aprendeu a admirar como rival do seu Nacional.

E, ao mesmo tempo, talvez encontrasse algum alívio ao testemunhar a derrota acachapante do Peñarol, não como rival, mas como uruguaio.

A verdade, como sempre, emerge à superfície. O futebol, com sua capacidade única de refletir as nuances da alma humana, mostrou que a violência, usada como escudo para esconder frustrações, só revela fraqueza. Diante da selvageria que pode brotar da vergonha, pouco tempo restará para que torcedores e dirigentes do Peñarol reflitam sobre o caminho que escolheram trilhar.

O recomendável, então, é que as próprias autoridades governamentais brasileiras entrem em contato com as uruguaias para garantir a segurança de torcedores e delegação do time do Rio no jogo de volta. Para que o Botafogo apenas faça o que sabe. Jogar futebol.

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