Ciência e Tecnologia
Exclusivo: “Cada dólar investido em pesquisa gera 10 para a sociedade”, diz presidente do Weizmann
Alon Chen esteve no Brasil para divulgar projetos e fez elogios a cientistas do País. Eugenio Goussinsky
Com um orçamento anual de US$ 700 milhões, o Instituto Weizmann de Ciências, localizado em Rehovot, Israel, tem se mantido como um dos principais centros de pesquisas científicas do mundo. Está entre os dez melhores, em levantamento do Leiden Ranking, de dezembro último.
Mas, conforme afirmou o presidente do Weizmann, o neurocientista Alon Chen, em entrevista exclusiva ao E21, a ciência nunca pode parar, movida pela curiosidade e pelo investimento.
Chen, nascido em 1970, na cidade de Beer Sheva, filho de pais que vieram do Marrocos, assumiu a presidência do instituto em dezembro de 2019. Ele esteve neste início de agosto no Brasil para divulgar metodologias do Weizmann, que tem cinco faculdades e 250 laboratórios, e analisar novas parcerias.
“Temos aumentado o número de pós-doutorandos do Brasil, o nível dos brasileiros que pesquisam no Weizmann é muito alto”, diz.
Chen ressaltou que, em sua gestão, tem prosseguido na política de investir nas pesquisas e acompanhar o incessante desenvolvimento da ciência, que cada vez mais faz surgir novas necessidades para os cientistas. Reduzir investimentos na área, como tem feito o governo brasileiro, é, na visão dele, um grande erro.
Para ele, a ciência clássica, a essência do instituto, é fundamental para a evolução da humanidade e da vida no planeta.
“Somente com o apego à ciência clássica é que as descobertas poderão ser aplicadas”. A ciência aplicada, neste sentido, é a consequência. Confira a entrevista.
Espinosa 21 – Como ocorre o processo de descoberta de novos produtos do Instituto Weizmann, desde sua ideia até a realização final?
Alon Chen – O Weizmann é basicamente um instituto de pesquisa, não dizemos diretamente para os cientistas desenvolverem este ou aquele tipo de produto, eles têm liberdade total para explorar ou fazer o que acham interessante. Em parte desses projetos, alguns cientistas geram impactos, como novas drogas, novos produtos e, quando esse conhecimento é gerado, temos um comitê chamado Yeda (Yeda Research and Development Company Ltda., o braço comercial do instituto), de transferência de conhecimento, responsável pela pesquisa, patente e comercialização.
E21 – Qual o alcance das descobertas do Weizmann?
AC – O impacto do Weizmann é mundial, se você descobre um medicamento, por exemplo, como o último para esclerose múltipla, do instituto, tem alcance mundial. O Weizmann está aberto para qualquer um que tenha um projeto e excelência, pode ser uma empresa ou um cientista, por exemplo. Se uma companhia brasileira se aproxima dizendo que está interessada em patente, o Weizmann está aberto. Ao longo dos anos o instituto acumulou milhares, a cada ano são mais de 100 patentes registradas. O lado comercial, no entanto, não é o objetivo do Weizmann, não somos uma organização que prioriza o lucro, nosso objetivo é para a humanidade, nem para Israel, nem para esta ou aquela empresa, é criar conhecimento para benefício da humanidade.
E21 – De que maneira o Weizmann lida com a relação entre a ciência clássica e a aplicada, esta voltada a questões comerciais?
AC – Achamos que fazermos a ciência em sua essência é a base de tudo. Queremos entender processos, mecanismos, funcionamento do corpo humano, do cérebro, questões do universo, entre tantas. A partir daí podemos aplicar, não significa que não temos interesse inicialmente em pensar na aplicação, mas a maneira de chegar a isso parte do entendimento dos fenômenos. É a partir daí que surgem as soluções. Somente com o apego à ciência clássica é que as descobertas poderão ser aplicadas.
E21 – Quais as características que diferenciam o Weizmann das universidades israelenses?
AC – O Weizmann não oferece cursos de bacharelado, somente cursos de mestrado, doutorado e pós-doutorado nas áreas das ciências naturais, biomédica, química, física, matemática e ciências da computação. Não temos as chamadas disciplinas de humanas, como Direito ou Letras. No Weizmann, o governo tem uma participação bem menor, de 20%, a maior parte vem dos royalties e dos investimentos arrecadados nas patentes e descobertas. Nas universidades, a participação do governo é de 80%.
O Weizmann possui cinco faculdades (Reprodução I. Weizmann)
E21 – Há alguma orientação dada a cientistas para a priorização de novas descobertas?
AC – A curiosidade move as descobertas do Weizmann. Damos aos nossos cientistas liberdade, eles vão atrás de respostas para quaisquer perguntas científicas, de maneira que não prevemos, não direcionamos. É um processo natural. Acontece que só recrutamos excelência, trazemos e damos suporte e infraestrutura para eles fazerem o que lhes interessa por uma boa ciência. Por isso estamos tendo sucesso.
E21 – E como é a relação profissional com esses cientistas?
AC – Os cientistas que pesquisam no Weizmann não pagam, todos têm bolsas de alguma entidade, os cientistas recebem esses salários e, se descobrem patentes, 40% dos royalties vão para eles e 60% para o instituto, que reinveste.
E21 – Mesmo sem um direcionamento programado, em que campos estão ocorrendo o maior número de descobertas no instituto, nos últimos anos?
AC – As descobertas têm vindo de campos diferentes, uma das áreas é a imunologia para doenças infecciosas. Outra é em computação, com inteligência artificial, outras têm vindo de novidades para o desenvolvimento do cérebro, para tratamento de câncer. Na área de química, temos visto o desenvolvimento de plásticos, de baterias verdes, está muito ativa a busca de soluções para o meio ambiente, sustentabilidade, projetos de energia limpa, foodtech. Temos também encontrado uma nova maneira de gerar vários produtos por meio do tratamento de carne e de pesquisas com plantas.
E21 – Em sua gestão, como você pretende aprimorar os trabalhos do Weizmann e tornar o instituto ainda mais produtivo?
AC – Na ciência, você não pode ficar parado, ciência depende muito de tecnologia, eu poderia dizer que tudo está incrível nesta instituição de nível mundial, que somos grandes e já está suficiente. Mas não. Precisamos o tempo inteiro investir, em tecnologia, em última geração de laboratórios, saber quais as próximas necessidades que nossos cientistas ainda não tiveram preenchidas. É preciso estar atento em qualquer campo de estudo. Para ultrapassarmos cada vez mais as fronteiras da ciência, tudo precisa estar sendo checado, desenvolvido à luz da ciência. Temos cinco projetos cujos temas são objeto de muitos grupos de pesquisa, e por isso o Weizmann está impulsionando nesse momento: relativo ao cérebro humano, com a neurociência; o de doenças em geral e de patologias infecciosas; o foco em soluções para aquecimento global; o de física e astrofísica e o de sustentabilidade.
Chen nasceu em Beer Sheva (foto: Eugenio Goussinsky)
E21 – Como você vê os grandes institutos brasileiros, como o Oswaldo Cruz, o Butantã, e outras instituições de ponta, como os hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês? São mostras de que a ciência por aqui tem muito potencial, mas nem sempre os governos obedecem as determinações legais de repasses. De que maneira essas instituições podem colaborar com o Weizmann?
AC – Não sou expert nos processos governamentais brasileiros, sei que no Weizmann há incríveis estudantes de pós do Brasil, de alta qualidade, o treinamento aqui no Brasil é de muito alto nível, ouço muito especialistas elogiarem o trabalho de engenheiros da indústria e de empresas. Não tenho como comparar, mas pela minha experiência, a qualidade dos estudantes é muito alta e queremos ver cada vez mais deles no Weizmann. Temos aumentado o número de pós-doutorandos do Brasil, o nível dos brasileiros que pesquisam no Weizmann é muito alto.
(Intervenção de Dany Schmit, CEO do Weizmann na América Latina). Fornecemos bolsas específicas para brasileiros, parcerias para construir laboratórios. Temos parceria com a Rede D’Or (rede de hospitais) para 15 vagas no Weizmann para fazer o pós-doutorado e voltar ao Brasil para abrir os próprios laboratórios de pesquisa.
E21 – Como você, como um cientista que estudou e se esforçou muito em prol da melhoria de vida das pessoas, chegando a comandar equipes em universidades e a dirigir o Weizmann, reage ao ver partes da sociedades e até governos, como o atual do Brasil, seguidamente diminuírem e negarem a importância da ciência?
AC – Minha opinião pessoal é de que é um grande erro um governo reduzir investimentos e não apoiar a ciência, porque o que move economia, o sucesso da indústria e de outros setores é a educação, o apoio em pesquisa. Cada dólar investido em pesquisa gera um retorno de 10 para a sociedade. Investir em educação e em pesquisa é no meu ver o mais importante que um governo pode fazer. Em Israel o apoio é constante, não há redução dos investimentos, apesar de dificuldades e outras razões que exigem gastos, como segurança Em Israel, a parte destinada a ciência e tecnologia continua relativamente alta, claro que às vezes poderia ser maior, mas não cai de patamar.
E21 – Na infância, de que maneira surgiu sua paixão pela ciência?
AC – Desde muito jovem eu já apreciava os animais, as plantas, as questões do universo. Foi um processo natural eu ir estudando até me tornar um cientista. E o motivo de eu ter me direcionado à neurociência foram as várias experiências que testemunhei no exército. A experiência de pós-trauma, devido a guerras e combates, foi impressionante e me levou a estudar essa área, em busca de soluções para amenizar o sofrimento psíquico. No geral, amo a ciência e continuo vendo beleza em plantas, em florestas como a da Amazônia e na natureza como um todo.
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