Ciência e Tecnologia
O que fazer para que as Cataratas do Iguaçu não sequem?
Por Eugenio Goussinsky
Das Sete Maravilhas Naturais do Mundo, o Brasil tem duas. Uma é a Floresta Amazônica e a outra são as Cataratas do Iguaçu. Na primeira, há um conhecido trabalho de conscientização em relação à importância da preservação. Mesmo com o desmatamento crescente nos últimos anos. Em relação à segunda, a impressão que fica é a de que há a necessidade de uma conscientização maior. (Crédito fotos: PIxabay).
Do alto do terraço que dá vista para as cachoeiras, apoiado em um corrimão, a vazão da água impressiona qualquer um, pelo barulho, exuberância e as gotículas que se tornam companheiras da travessia até o cerne das cataratas, a Garganta do Diabo.
Mas, enquanto o frescor e a umidade se misturam à mata das elevações ao redor, uma mensagem subliminar é passada em meio a tanto volume de água. Até quando?
A pergunta se soma às várias informações sobre a atuação humana que prejudica a natureza, lá configurada daquela maneira, sob sedimentos de basalto, após milhões de anos de movimentações tectônicas.
Surge com isso a sensação de que tudo aquilo é frágil e que, com o tempo, a vazão irá diminuindo como se, contrariado com a ação predatória dos homens, o próprio Deus resolvesse fechar as suas torneiras.
Desta maneira, o portal E21 foi em busca de respostas para evitar que isso aconteça um dia. E perguntou para o oceanógrafo Alexander Turra, biólogo com mestrado e doutorado em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas e professor do IOUSP (Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo): o que deve ser feito para impedir que as Cataratas do Iguaçu um dia sequem?
Portal E21 – As Cataratas do Iguaçu foram formadas por meio de movimentos tectônicos desde milhões de anos atrás, até correrem sobre sedimentos de basalto. Todos esses movimentos, no entanto, dão a impressão, para quem está lá, de que se trata de um equilíbrio frágil, de que toda aquela exuberância de volume de água está à mercê de diminuir, principalmente por causa da influência humana. Qual o risco de as Cataratas do Iguaçu secarem um dia e o que deve ser feito para se evitar que isso ocorra?
Alexander Turra – Segundo o MapBiomas, estamos vivendo no Brasil um processo de perda de superfícies cobertas por água, como lagos naturais, áreas inundadas no Pantanal e reservatórios artificiais, em função de várias situações. Dentre elas temos as mudanças nos padrões de chuva, na cobertura vegetal e no uso da água dos rios e dos lençóis freáticos.
Esse processo pode não levar as Cataratas do Iguaçu a secarem, mas certamente promoverá uma tendência de redução do volume de água da bacia hidrográfica e, consequentemente, nas cataratas. Para evitar esse processo, o país tem que implementar políticas já existentes para proteção de nascentes e matas ciliares para que haja disponibilidade de água nos rios e para que eles não sejam assoreados. O mesmo se aplica à políticas de regulamentação do uso da água para que o volume de água dos rios não diminua exageradamente. É necessário pensar sistemicamente e entender que a chuva que alimenta as Cataratas depende do oceano e da Amazônia, de forma que temos, inclusive, que proteger esses ambientes.
E21 – A origem das Cataratas do Iguaçu é a mesma da das Sete Quedas, que foram engolidas pela usina de Itaipu. Até que ponto o projeto de Itaipu foi prejudicial para a natureza, quais benefícios trouxe e como hoje um projeto dessa magnitude deve ser feito? Pela lei atual, seria proibida a construção da usina do jeito que ela foi construída, nos anos 70?
AT – A Usina de Itaipu foi feita em um momento em que a Avaliação de Impacto Ambiental não era institucionalizada no Brasil. Esse procedimento, que visa avaliar, prever e mitigar os impactos de empreendimentos potencialmente causadores de significo impacto ambiental, foi instituído na Política Nacional de Meio Ambiente em 1981 e regulamentado apenas em 1986.
E21 – Então esse projeto não seria permitido nos tempos atuais?
AT – Desde então, têm ocorrido avanços conceituais e metodológicos, embora movimentos visando sua fragilização (disfarçados de flexibilização) venham se intensificando nos últimos anos. O fato é que embora haja uma percepção de que a geração de energia por usinas hidrelétricas é menos impactante que outras fontes de energia, elas têm impactos relevantes em comparação com uma vida útil relativamente curta. Supressão de áreas de vegetação, mortalidade da fauna, destruição de ativos naturais e turísticos, como Sete Quedas, desalojamento e realocação de pessoas em localidades onde elas não têm raízes são exemplos de impactos associados às hidrelétricas. Além disso, considerando movimentos de privatização de companhias de energia, há ainda o risco de um conflito entre o uso da água para gerar energia ou matar a sede das pessoas. Hoje, considerando outras matrizes energéticas como a solar e a eólica, além de outras no ambiente marinho (como correntes, ondas, marés e gradientes de temperatura e salinidade) e novas tecnologias, não se justificaria a construção de algo semelhante a Itaipu.
(A Garganta do Diabo é o núcleo para visitação das cataratas)
E21 – Como esse exemplo (negativo em muitos aspectos, inclusive) foi uma espécie de farol para outros projetos, como a construção da usina de Belo Monte? O que é feito atualmente para evitar ou minimizar prejuízos ambientais?
AT – A Avaliação de Impacto Ambiental precisa ser fortalecida para que o licenciamento ambiental seja efetivo, o que vai acontecer mais na medida em que a sociedade estiver informada e mobilizada para se posicionar. Para isso, é fundamental que o Ibama atue com independência, possua equipes em quantidade compatível com a importância desse processo e procedimentos mais modernos em termos de avaliação de impacto ambiental, como a abordagem ecossistêmica. Isso não se aplica apenas ao Ibama, mas também aos órgãos licenciadores nos estados. Essa reflexão deve ser feita em sintonia com o planejamento estratégico do setor energético do país, que deve considerar as questões ambientais e sociais não como um entrave e sim com um ativo que deve ser valorizado e resguardado, como Sete Quedas deveria ter sido.
E21 – O reservatório de Itaipu, o sétimo maior do Brasil, tem mais de 1,3 mil km2 de área. É um vasto espaço preenchido por água, que possui até uma linha do horizonte. Trata-se de algo natural? Até que ponto pode ser útil na interação com a natureza ou se trata de um volume de água destinado “apenas” a gerar energia?
AT – Sem dúvida, esse imenso reservatório passa a ser um ativo que precisa ser ressignificado. E isso vem sendo feito na região, com o envolvimento das prefeitura. Um exemplo é o projeto “cultivando água boa” promovido pela Itaipu Binacional, que possui um setor de meio ambiente bem estruturado e ativo. No reservatório é importante estimular outras atividades educativas, contemplativas ou mesmo esportivas e econômicas (ex. cultivo de peixes), mas sempre resguardando a qualidade ambiental. Dessa forma, parte dos impactos causados pela construção da barragem podem ser atenuados, trazendo diferentes benefícios para a sociedade.
E21 – Outro dia, li uma matéria que exalta o fato de a vazão das comportas abertas da usina de Itaipu superar o volume de água das Cataratas do Iguaçu. Isso é um fato para ser exaltado ou é um sinal de prejuízo ao meio ambiente?
AT – Creio que isso revela o potencial que temos, enquanto humanidade, em transformarmos e manipularmos a natureza. Temos essa condição, mas temos que exercê-la com moderação para que algo que pode ter aspectos positivos não seja encoberto pelos aspectos negativos que ele também tem. Nossa pegada no planeta existe, mas temos que fazer com que ela seja a menor possível.
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