Connect with us

Destaque

Santos: a fábrica de craques

Publicado

em

Neymar menino
Neymar. ainda menino, nas categorias de base do Santos | Foto: Reprodução/Instagram Meninos da Vila

O Portal E21, com entrevista exclusiva e pesquisas, explica os conceitos que levaram o clube santista a ser uma referência na revelação de novos talentos desde os anos 1960

Por Eugenio Goussinsky

Jorge Sampaoli foi descartado pela diretoria santista depois dele, segundo informações da mídia, ter proposto uma “ruptura” na identidade do clube. Exigiu que jogadores como Souza e Bontempo voltassem para a base para serem inseridos aos poucos. Mas isso contraria um conceito que fez do clube o maior formador de jogadores do Brasil.

+ Leia mais notícias de Esportes no Portal E21

Um método que, ao mesmo tempo não apressa e busca não ultrapassar etapas no amadurecimento dos jovens, os coloca, de tempos em tempos, para atuar junto aos profissionais. Para que, ao acelerarem, e não apressarem, o desenvolvimento, eles fiquem prontos para ajudar a equipe  (abaixo, link de Don’t Stop Believin’, música de Journey).

.

O ex-atacante Jonas Eduardo Américo, o Edu, 76 anos, contou ao Portal E21, que este conceito de formar bons jogadores sempre foi prioridade no Santos. Ele, que começou muito cedo, aos 16 anos no profissional, em 1966, ficou pouco tempo na base, mas ficou.

“Eu comecei, mas foi muito pouco”, conta Edu. Para ele, o Santos consegue harmonizar sua metodologia às capacidades naturais dos jogadores. “É treinamento e também a dedicação da pessoa. O talento é importante, é um dom, e isso se alia ao bom trabalho dos preparadores do Santos.”

Desde os anos 1960, Edu viu de perto surgirem talentos formados no próprio clube. Ele ainda era jogador, não mais do clube, quando surgiram craques como Pita, Nilton Batata, Juary e João Paulo, quando o apelido Meninos da Vila se consagrou. Para ele, esses conceitos que hoje imperam no trabalho de formação do clube já existiam, mas foram aprimorados por ferramentas tecnológicas e científicas.

“O Santos tem um conceito muito claro: é um time que ataca, que joga pra frente, e isso sempre foi assim”, observou o ex-jogador. “O que aprimora, com o tempo, é o conhecimento científico e os métodos de treinamento, mas a essência permanece.”

Veja alguns dos aspectos que fazem o clube revelar jogadores como Marcos Leonardo, Yuri Alberto, Gabigol, Neymar, Paulo Henrique Ganso, Alex, André Luís, Gustavo Henrique, Arthur Gomes, Rodrygo. Em cada uma das posições, o jogador adquire as características necessárias. E, mesmo por anos, quando já estão em outras equipes, é possível ver que aqueles ensinamentos se perpetuaram.

Formações por posição

Para cada uma das posições, o clube prepara o jogador para que ele mire a perfeição, aprimorando todos os fundamentos necessários.

Os goleiros demonstram ótima noção nas saídas de gol, na reposição (seja por arremesso, chute ou passe curto com os pés), no posicionamento e leitura do lance.

Os laterais também mantêm para sempre fundamentos como passe curto e médio (saída de bola e ligação com meio-campo), cruzamento (fundamento essencial do apoio ofensivo), condução em velocidade (avançar pela linha lateral) desarme e cobertura (marcação 1×1, interceptação).

Fica fácil reconhecer um volante formado no Santos, pela precisão nos passes curto e longo (ligar defesa e ataque), no desarme (roubada de bola, pressão no meio), na cobertura defensiva (fechar espaços, ocupação tática) e no domínio orientado (receber e girar rápido sob pressão).

Já os meias, como Bontempo, se tornam exímios passadores em profundidade (enfiada de bola, passe “quebrando linhas”), no controle de bola (domínio orientado, giro), na finalização de média distância (chute fora da área), no drible curto (para criar espaço e visão) e até no cabeceio ofensivo (chegada de trás).

No Mundial Interclubes, a confiança e a perícia de Marcos Leonardo, do Al-Hilal, impressionou. Sua formação no Santos estava presente, assim como ainda está em Yuri Alberto. São atacantes que desde cedo aprenderam como realizar a finalização de primeira (chutes rápidos, dentro da área), o cabeceio ofensivo (referência em bolas aéreas), a proteção de bola (segurar contra zagueiros, fazer pivô) e a movimentação de área (atacar e antecipar marcação).

Apego às repetições

O então responsável pela base do clube, Ronaldo Lima, afirmou ao site da CBF, em 2017, que a prioridade do Santos é formar atletas profissionais de futebol. O objetivo é o de promover ao elenco principal, pelo menos, de quatro a oito jogadores por ano, sem que seja deixada de lado a preocupação em também formar cidadãos.

“A repetição é o caminho, mas devemos fazê-la com qualidade, para não ser repetida com erro”, afirmou Lima. “A repetição deve ser feita, mas com qualidade.”

Outro ponto ressaltado por Lima é que, nas categorias mais jovens (sub-11 e sub-13), os exercícios são voltados à coordenação motora, e, a partir do sub-15, o foco maior é a preparação física, demonstrando uma metodologia adaptada por faixa etária. A partir de uma idade em que estão mais amadurecidos, os jovens então passam a ser “desafiados”, no sentido de aprenderem de maneira paulatina a lidar com a pressão no profissional.

Lima destaca este convívio entre base e profissional: “Há sempre um elemento do profissional presente nos treinamentos… alguns jogadores das categorias sub-15, sub-17 e sub-20 treinam junto aos profissionais uma vez por semana.”

Ao longo dos anos, o clube desenvolveu uma metodologia baseada nos seguintes critérios:

1. Treinos estruturados e foco nos fundamentos com repetição de qualidade

2. Integração com o time profissional

3. Planejamento com base na ciência e em estrutura moderna

Ao site ge, Sérgio Peres, então preparador físico, destacou a importância do uso de tecnologia e de ciência aplicada na base. “Estrutura, espaço, campos. Mas… a tecnologia. Cresceu muito, com a ajuda da ciência… a preparação física foi especial.”

Leia mais: “EXCLUSIVO: goleiro Fábio é ‘estudado’ por profissionais de ponta”

A infraestrutura melhorou, com a construção de centros de treinamento, tanto para os profissionais como para a base. O clube tem investido em infraestrutura de ponta como o novo CT da base, planejado para ser referência em inovação e sustentabilidade, com 1.100 m² e tecnologia inédita no Brasil. Neymar Santos Sr, pai do craque Neymar, firmou uma parceria com o clube para conduzir esta modernização.

4. Captação ampla, peneiras e academias licenciadas

Segundo o site FutSantos, o clube atua com olheiros que monitoram diversos torneios estaduais e independentes. Realiza peneiras para crianças entre 8 e 14 anos, com grupos reduzidos por posição e treinos + simulações de jogo. Conta com 61 unidades da “Meninos da Vila Santos Academy” no país, que realizam treinamentos e identificam talentos que depois vêm para a base.

5. Formação integral: técnica, física, tática e educação pessoal

O Santos não investe apenas no treinamento. O clube tem a preocupação em manter os jovens em alto nível de educação escolar, apoio psicológico, social e cultural, com psicólogos, pedagogos e assistentes sociais acompanhando os atletas e suas famílias. A base promove palestras, excursões culturais e atividades educativas, conforme relatou o site da CBF.

6. Cultura de dar oportunidades reais no profissional

Pepinho Macia (ex-técnico do sub-20) disse ao ge que um dos grandes segredos é justamente a chance real que os garotos recebem: Muitos jogadores com propostas de fora “optam por ficar no Peixe”. Muitos acabam sendo efetivamente promovidos. Neste sentido, o Santos mantém uma cultura forte de valorização da base internamente.

Neymar, em sua formação, teve esta experiência. Com 14 anos, em 2006, ele realizou um teste de duas semanas na base do Real Madrid. Impressionou os olheiros e recebeu uma proposta de contrato. Mas a saudade da família e do Brasil o levaram rejeitar a oferta e retornar a São Paulo. Na sequência, o Santos, para garantir a permanência do craque, ofereceu um contrato milionário, que foi aceito por Neymar e sua família. O jogador evoluiu no clube, onde se profissionalizou em 2009.

7. Tradição e mentalidade histórica

Como lembrou Edu ao Portal E21, desde antes de Pelé, passando por Robinho, Neymar, Rodrygo e Marcos Leonardo, a identidade ofensiva é a marca do Santos, que tem como prioridade o estilo de jogo criativo e tradição formadora. Isso inspira jovens e profissionais, permite um clima mais aberto à criatividade e ao lado lúdico do futebol e acaba tornando o treinamento um momento prazeroso e estimulante.

Leia mais: “Israel e a desconstrução do terror”

8. Reconhecimento do modelo metodológico

Em 2025, o clube recebeu treinadores dos EUA para uma palestra sobre sua metodologia de trabalho na base. O pioneirismo e o intercâmbio internacional na formação esportiva foram analisados e destacados (abaixo link de O Sol, cantada por Victor Kley).

9. A visão da torcida e da comunidade esportiva

De acordo com relatos no Reddit, a menor pressão em relação a centros como a capital paulista e o Rio de Janeiro é um facilitador. Isso, inclusive, foi um fator a mais na adaptação, embora com alguns percalços iniciais, de Pelé e a possibilidade dele demonstrar e desenvolver todo o seu imenso potencial.

“O Santos não tem a mesma pressão que outros clubes… o Santos coloca mais pra jogar, arrisca mais, os garotos jogam com menos pressão…” Há também a preocupação em não desenvolver o físico dos meninos de forma exagerada. “Investimento na base… e o trabalho orientado para enaltecer a criatividade em vez de só fazer o moleque crescer feito boi…”

10. Integração dos jovens à história do clube

O clube sempre realiza eventos e encontros entre os jovens e ídolos consagrados, como o próprio Edu, Clodoaldo, Pepe. Trata-se de uma maneira deles terem contato com as glórias do clube e, ao mesmo tempo, se sentirem capazes e responsáveis por dar continuidade a esta trajetória.

11. Futebol como um método de ensino e aprendizado

Muito se fala a respeito de “escolas do futebol”. A Itália é mais defensiva. A Argentina, mais combativa e ousada. A brasileira, mais criativa. Tudo isso, no entanto, se refere ao estilo de jogo.

O Santos busca fazer do futebol uma escola no sentido de aprendizado de conceitos, que, mesmo não sendo das disciplinas tradicionais, lidam com a formação cultural e educativa dos meninos. São conceitos de Carl Jung (1875 – 1961) e dos filósofos estóicos, como Sêneca (4 a.c – 65 d.c), Epicteto (50 – 138 d.c) e o imperador romano Marco Aurélio (121 – 180 d.c), que pregavam no próprio entendimento do erro uma maneira de aprender.

“A base é o lugar de errar”, afirmou Ronaldo Lima. “Temos que entender que o atleta está em processo de formação. Os treinadores, na ânsia de ganhar o jogo, muitas vezes não são tolerantes. Todo jogador é um artista e gosta de ser elogiado, mas precisa ser corrigido também. Nós passamos mais tempo no clube do que em casa, por isso devemos nos tolerar.”

Mais Lidos