Colunistas
VAR que odeia o futebol

Por Eugenio Goussinsky
O VAR, à beira do campo, não precisaria existir.
Contraria a própria regra do jogo. As inúmeras discussões sobre erros interpretativos funcionam mais como um instrumento de audiência para as TVs e de descarrego de ansiedades por parte dos que debatem e colocam, em discussões intermináveis, os árbitros na berlinda. Sem nunca chegar a conclusão nenhuma.
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É triste ver o ser humano aderir de forma acomodada à robotização de sua alma, de sua mente, de sua identidade. A International Board, sempre resistente a alterações nas regras, definiu claramente qual é a função deste novo equipamento que surgiu como a salvação do futebol.
No item 1 das determinações, a entidade é clara:
“O VAR é um oficial da partida, com acesso independente às imagens do jogo, que pode auxiliar o árbitro apenas em caso de ‘erro claro e óbvio’ ou ‘incidente grave não observado’ nas seguintes situações:
a. Gol/não gol
b. Pênalti/não pênalti
c. Cartão vermelho direto (não inclui segundo cartão amarelo)
d. Identidade trocada (quando o árbitro adverte ou expulsa o jogador errado do time infrator).”
No item 3, a entidade decreta:
“A decisão original só será alterada se a revisão em vídeo mostrar claramente que foi um ‘erro claro e óbvio’.”
Benefícios há quando a jogada não é interpretativa. Aí sim o VAR deveria ser utilizado: impedimentos, bola dentro da meta, entradas violentas. De resto, a própria determinação da International Board descaracteriza o uso atual feito pelos árbitros.
Em lances interpretativos, não há a necessidade do VAR, pela própria regra. Portanto, o árbitro nem precisaria se dirigir à cabine. Bastaria ouvir do árbitro do VAR a informação de que houve impedimento, de que a bola ultrapassou a linha ou de que A deu uma entrada absolutamente desleal em B e precisa ser expulso.
Toda a atmosfera em torno de uma decisão em que o árbitro é chamado pelo VAR ganha uma conotação infantilizada. A feição do árbitro fica estranha, na tentativa de tornar solene uma cena banal.
Ouve com atenção, cercado de jogadores desrespeitosos, agressivos, egoístas e mimados, que querem fazer prevalecer os próprios interesses, mesmo por meio de simulações e engodos.
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Então, com passos incertos, caminha constrangido, mantendo o ar de seriedade, até a cabine. Vê a cena, revê, e quase sempre toma a decisão contrária à que havia tomado. Faz aquele gesto que descreve a tela e desfaz sonhos, comemorações, esperanças. Tudo foi em vão, com aquela manobra sádica que muitas vezes expõe ódio pelo futebol.
Estes lances a que me refiro são todos interpretativos. Chalobah, do Chelsea, tocou com a mão na bola e o árbitro marcou pênalti pelo Fluminense. Pronto, tomou a decisão. Mas a anulou depois que o árbitro do VAR o chamou.
A própria marcação daquele pênalti, assim, tira por completo a necessidade de os jogadores irem para os lances com as mãos atrás das costas, modismo que inclusive interfere no equilíbrio natural deles nos lances.
Jádson, do Corinthians, mal tocou em Dedé, que fez cena e induziu o árbitro a anular uma finalização espetacular de Pedrinho, que havia levado ao êxtase a Neo Química Arena, naquela final da Copa do Brasil de 2018.
Em 16 de julho último, Vinicinho, do Bragantino, entra na área e, ao tocar a bola com a cabeça, é interceptado por Cacá, do Corinthians. O zagueiro estende a perna e depois a recolhe. Houve uma dúvida se existiu o contato com o atacante.
O responsável pelo VAR, então, chama o árbitro, com aquele tom solene, para analisar um “possível pênalti”, conforme ele mesmo diz.
A regra, no entanto, não permite que “possíveis pênaltis” sejam analisados. Somente aqueles definidos como erros “claros e óbvios”.
Se no golaço do argentino Maradona contra a Inglaterra, na Copa de 1986, houvesse VAR, este poderia, mantida essa postura equivocada, ter anulado aquela que foi uma das jogadas mais lindas da história das Copas.
Houve uma “possível falta” no início do lance. Interpretativa, que não deveria ser marcada.
O VAR sim, poderia, e deveria, interferir no primeiro tento daquela partida, quando Maradona fez o gol com a mão.
Aquele jogo, aliás, é um exemplo clássico de onde o VAR deve e não deve entrar.
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Depois de tanta ânsia por destruir o futebol que tomou conta de muitos setores, um árbitro do VAR poderia muito bem, com certo prazer, anular aquele lance genial, depois de o craque argentino driblar metade do time inglês.
Poderia fazer novamente prevalecer o sadismo daqueles que já se tornaram zumbis das novidades tecnológicas e que perderam a noção do que é futebol.
O mesmo perfil de alguns motoristas em São Paulo, que, aprisionados pelas ordens mecânicas do Waze, nem sabem onde fica a Avenida Paulista.
Veja o lance de Maradona que o árbitro, se o uso do VAR fosse precipitado, poderia anular (repare no início da jogada, antes de Maradona receber a bola):
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